Catherine Deneuve é a mulher-bibelô de François Ozon

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“Leggero, brillante e non stupido”. Assim definia uma jornalista italiana “Potiche”, onde Catherine Deneuve volta a ser dirigida por François Ozon depois de “8 Mulheres”, no papel da esposa de um industrial tirânico que assume a direcção da fábrica e se descobre astuta mulher de negócios.

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“Leggero, brillante e non stupido”. Assim definia uma jornalista italiana “Potiche”, onde Catherine Deneuve volta a ser dirigida por François Ozon depois de “8 Mulheres”, no papel da esposa de um industrial tirânico que assume a direcção da fábrica e se descobre astuta mulher de negócios.

É uma boa definição para “Potiche” - mas será este um grande filme? Ou apenas mais um dos exercícios de estilo a que Ozon, o mais prolífero dos cineastas franceses contemporâneos (“filmar é rápido”, diz ele ao Ípsilon em mesa redonda de imprensa no hotel Excelsior, “é a promoção que leva tempo”), nos habituou?

Uma certeza: esta história de esposa burguesa que se emancipa quase sem dar por isso é uma alta comédia irresistivelmente comercial, a grande oportunidade de Ozon reencontrar o êxito de “8 Mulheres” que os seus filmes posteriores não repetiram.

Outra certeza: é um papel em ouro para Catherine Deneuve, impecável no papel desta mulher farta de ser um mero bibelô. Há anos que não tínhamos a oportunidade de a ver fazer comédia de modo tão aberto – e ela transporta o filme quase sem esforço, com uma noção perfeita de leveza, ritmo e graça que se estende ao luxuoso elenco de apoio (por ordem de entrada em cena: Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche, Jérémie Rénier e Gérard Depardieu).

Ozon, na mesa redonda do Excelsior, confirma que a escolha de Deneuve foi deliberada – “ela é uma mulher muito diferente do ícone, e agradou-lhe imediatamente a ideia de interpretar uma mulher-bibelô”. E é mais uma interpretação de luxo que o cineasta arranca a uma mulher, depois do que fez com Charlotte Rampling, Ludivine Sagnier, Alexandra Lamy, Isabelle Carré ou Romola Garai em filmes anteriores. “É verdade que gosto mais de trabalhar com mulheres. Por ser homem, tenho uma maior distância, e acho que elas têm menos ego do que os homens – foi mais fácil trabalhar com a Catherine do que gerir os egos do Fabrice e do Gérard!”.

Por “Potiche” passam inevitavelmente as memórias de um certo cinema popular francês dos anos 1970 – as comédias de Édouard Molinaro, Michel Lang ou Gérard Oury, com actores como Louis de Funés ou Mireille Darc.

Mas a ironia com que Ozon filma não esconde nunca a sua afeição pelo género – o cineasta delicia-se a reconstituir a época e o estilo de filmar dos anos 1970 para depois ir introduzindo pequenas transgressões na fórmula, transformando “Potiche”, à imagem da sua personagem principal, num falso bibelô que não encaixa a cem por cento na gaveta da alta comédia.

Há uma dimensão política no filme que Ozon não enjeita, embora atire que nunca deveria ter dito nas notas de produção que Ségolène Royal, a candidata socialista às últimas eleições presidenciais francesas, foi um dos seus modelos para as alterações que fez à peça teatral que está na sua origem.

E, sobretudo, é difícil olhar para esta história de mulher que já não quer perder mais tempo a ser móvel da casa sem sentir que “Potiche” é realmente sobre descobrir quem somos e o nosso papel na vida e na família.

Não será por aqui certamente que reencontraremos o “grande Ozon” de “O Tempo que Resta” ou “Sob a Areia”. Mas, sem ser um grande filme, “Potiche” é uma belíssima comédia – para citar a outra, “leggero, brillante e non stupido”.