Morreu Costa Martins, o capitão de Abril que "tomou" a Portela

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O ex-militar foi ministro do Trabalho em vários governos provisórios Pedro Inácio (arquivo)

Costa Martins deveria contar com o apoio do Exército nesta operação, mas houve um atraso. Sozinho, dirigiu-se ao oficial de dia e convenceu-o de que "estava tudo cercado" por forças militares e era inútil resistir, conta Otelo ao PÚBLICO. Só cerca de uma hora depois chegaram os militares do Exército e foi então que Costa Martins subiu e "assaltou" a torre de controlo do aeroporto.

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Costa Martins deveria contar com o apoio do Exército nesta operação, mas houve um atraso. Sozinho, dirigiu-se ao oficial de dia e convenceu-o de que "estava tudo cercado" por forças militares e era inútil resistir, conta Otelo ao PÚBLICO. Só cerca de uma hora depois chegaram os militares do Exército e foi então que Costa Martins subiu e "assaltou" a torre de controlo do aeroporto.

Com este feito, o seu nome ficou marcado na história do 25 de Abril. E não foi por nenhum acto de heroísmo que Costa Martins morreu, anteontem à noite, no fim de um passeio de avioneta com o seu amigo José Alberto Sousa Monteiro, antigo comandante da TAP e piloto da aviação civil na reforma. A aeronave em que seguiam despenhou-se durante a aterragem numa herdade próxima de Montemor-o-Novo, no distrito de Évora, de onde, horas antes, tinham levantado voo para um passeio turístico, provocando a morte de ambos. Tinha 72 anos.

"Era determinado e cumpriu os compromissos que assumiu no 25 de Abril", frisa o coronel da Força Aérea Tasso de Figueiredo.

Foi também José Inácio da Costa Martins, natural de Messines, onde nasceu, em 1938, quem preparou o avião que, na manhã de 26 de Abril, no dia seguinte ao golpe militar, transportou o Presidente e o primeiro-ministro depostos, Américo Thomaz e Marcelo Caetano, para a Madeira, de onde depois partiram para o exílio no Brasil. Acompanharam-nos no mesmo voo os ex-ministros Moreira Baptista e Silva Cunha.

Mais tarde, a 31 de Maio, o primeiro Presidente da República do pós-25 de Abril, António de Spínola, convida-o a integrar o Conselho de Estado, tendo chegado depois a ministro do Trabalho nos II, III, IV e V governos provisórios de Vasco Gonçalves. Tornou-se então conhecido como o ministro do "Dia do Trabalho", quando apelou a "um dia de salário para a nação", o que deu lugar a conflitos e a acusações, que se viria a provar serem falsas, de se ter apropriado desse dinheiro.

Terá sido, aliás, na sequência de divergências relacionadas com essa questão que surgiu o contencioso que ainda mantinha com o actual presidente da Associação 25 de Abril, Vasco Lourenço. Ontem, contactado pelo PÚBLICO, este recusou fazer qualquer declaração sobre a morte de Costa Martins.

No final do chamado "Verão Quente", e com a chegada ao Governo do almirante Pinheiro de Azevedo, Costa Martins perde a sua influência e acaba por deixar o país. Expulso da Força Aérea, foi para Cuba e depois para Angola, onde chegou a estar preso. Anos mais tarde, regressa a Portugal, onde move um processo contra o Estado. O general na reserva Vizela Cardoso responde em tribunal, cerca de duas décadas depois, acusado de declarações ofensivas do bom nome e devassa da vida privada de Costa Martins. Este acusa ainda outros dois ex-generais da Força Aérea por danos morais e patrimoniais.

Martins acaba por ganhar o processo e consegue repor a sua antiguidade na carreira, sendo promovido a coronel. Nesse mesmo dia, pede a reserva e, com o dinheiro da indemnização, monta um negócio imobiliário no Algarve. Passa então a dividir o seu tempo entre Lisboa e aquela região. O seu corpo chega amanhã à capital, onde será cremado.