Tzipi Livni: Ela é a mulher mais poderosa de Israel*

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Segundo a revista Time, Tzipi Livni é uma das 100 mulheres mais influentes do mundo Ronen Zvulun/Reuters

Tzipi, diminutivo por que é conhecida a ministra dos Negócios Estrangeiros e vice-primeira-ministra, completa hoje 50 anos de idade. Já é a mulher mais poderosa de Israel. E, segundo a revista “Time”, “uma das 100 mais influentes do mundo”.

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Tzipi, diminutivo por que é conhecida a ministra dos Negócios Estrangeiros e vice-primeira-ministra, completa hoje 50 anos de idade. Já é a mulher mais poderosa de Israel. E, segundo a revista “Time”, “uma das 100 mais influentes do mundo”.

As sondagens (por agora) apontam-na como a única capaz de derrotar Benjamin Netanyahu, do Likud, o favorito para as legislativas, sem data. Esta popularidade está a irritar os rivais: Shaul Mofaz (general e ministro dos Transportes), Avi Ditcher (ex-chefe do Shin Bet e ministro da Segurança Interna), membros do seu partido centrista, Kadima; Ehud Barak (outro general), líder do Labour. Insinuam que ela “não é suficientemente homem” para suceder a Olmert.

A direita, por seu turno, sua antiga família política, acusa Livni de ter “traído” a memória dos pais, defuntos combatentes da resistência judaica, ao aceitar uma solução de dois Estados para o conflito com os palestinianos.

Como explicar a campanha que está em marcha para desacreditar a filha de Eitan Livni e Sara Rosenberg? Afinal, ela tem todas as credenciais para seguir os passos de Golda Meir, que foi primeira-ministra aos 70 anos, de 1969 a 1974, desafiando o machismo da sociedade bem evidente na célebre frase do “pai da nação”, David Ben-Gurion: “Ela é o único homem do meu Governo.”

Tzipi Livni tem um invejável “pedigree” nacionalista. O pai, Eitan, foi comandante-chefe do Irgun, o grupo liderado por Menachem Begin que, nos anos 1940 pré-Israel, cometeu ataques terroristas contra alvos britânicos e árabes dentro e fora da Palestina histórica. Um dos piores atentados, quase 100 mortos, foi o que destruiu o Hotel King David, em Jerusalém, em 1946. Neste ano, o polaco Eitan foi capturado após a sabotagem de uma linha férrea e condenado a 15 anos de prisão. Dois anos depois conseguiu fugir da cadeia e passou a organizar acções clandestinas na Europa.

Regressou em 1948 para participar na primeira guerra israelo-árabe e para se unir a Sara Rosenberg, também ela combatente do Irgun, famosa por assaltar e fazer explodir comboios. O deles foi o primeiro casamento no recém-criado Estado judaico. Fundador do movimento Herut que deu origem ao partido Likud, Eitan foi também deputado por este partido em duas legislaturas no Knesset.

Antes de morrer, em 1991, ordenou que na sua pedra tumular fossem gravados um mapa do “Grande Israel”, seguindo o lema sionista “o rio Jordão tem duas margens e as duas são nossas”, e a inscrição: “Aqui jaz o chefe de operações do Irgun Zvi Leumi”(Organização Militar Nacional). Talvez por ser filha de dois “guerrilheiros”, Livni foi, até agora, o único membro do Governo israelita a distinguir entre ataques palestinianos a civis e a militares. “Quem luta contra o exército é um inimigo, e nós ripostaremos, mas isto não encaixa na definição de terrorismo”, disse a uma cadeia de televisão americana.

Mais tarde, quando explicou ao jornal "New York Times" por que já não lutava pela bíblica Israel dos seus pais – ela que na década de 1970 se manifestava nas ruas contra a shuttle diplomacy de Henry Kissinger, que queria fazer concessões territoriais ao Egipto e à Síria e que se opôs veementemente aos Acordos de Oslo de 1993 –, a direita bradou: “Eitan Livni dá voltas no túmulo.”

Para Tzipi, cujo gabinete no MNE só tem um quadro na parede – a fotografia do pai –, a sua transformação assenta num “simples cálculo”. Não é possível conciliar três objectivos ideológicos – Grande Israel, um Estado judaico e uma democracia. O crescimento demográfico nos territórios ocupados obriga a abdicar do “Grande Israel” para que Israel se mantenha uma democracia e um Estado judaico. Em defesa da filha, a ultrasionista Sara fez uma declaração poucos meses antes da sua morte, em Outubro de 2007: “Magoa-me dizer isto, mas nós não lutámos pelo Estado de Israel para a nossa geração e sim para as gerações vindouras. Eu confio na decisão de Tzipi. Ela tem sempre razão.”

Sara nunca ficou agarrada ao passado. Na homenagem fúnebre, Tzipi recordou como a mãe, aos 80 anos, “foi passar férias a Eilat e voltou com as orelhas cheias de piercings, como se fosse uma rapariga de 16.”

Protegida de Sharon

Quem também confiava em Livni era Ariel Sharon, o seu mentor. Foi ele que a introduziu na política, colocando-a num lugar elegível para deputada em 1999. Em seis anos, nomeou-a para sete cargos diferentes no Governo.

O ex-primeiro-ministro apreciava a sua “capacidade analítica”. Ela fez parte do “gabinete restrito” que preparou a retirada unilateral da Faixa de Gaza e, quando ele saiu do Likud para formar o Kadima, ela foi a primeira a segui-lo, assumindo a responsabilidade de redigir o programa político do novo partido.

Em Janeiro de 2006, quando Sharon, herói e vilão de várias guerras, sofreu uma embolia cerebral e mergulhou no estado de coma em que ainda se encontra, Livni foi apontada como a herdeira natural. Mas ela preferiu afastar-se e deixar o cargo para Ehud Olmert. Na altura, muito poucos questionaram o facto de o antigo presidente da Câmara de Jerusalém não ter background militar. Agora ele está sob fogo pela forma desastrosa como, há dois anos, confrontou o Hezbollah no Líbano. E está a ser investigado por, alegadamente, ter recebido milhões de dólares, num processo de tráfico de influências.

“A principal vantagem de Tzipi Livni neste momento é a sua imagem politicamente limpa, sem manchas de corrupção nem de má conduta durante a II Guerra do Líbano”, diz ao P2 por telefone o israelita Gershom Goremberg, colunista da “American Prospect” e do “New York Times”.

“Do ponto de vista da sociedade, ela é seguramente muito popular, mas quem domina a máquina do partido são os homens. E Mofaz, em particular, quer muito suceder a Olmert.” Goremberg salienta o desafio. “O problema da corrupção incomoda o país, mas é relativamente secundário face à questão da segurança”. Ela está consciente disso, de outro modo, acrescenta o analista, não teria chegado ao “The Sunday Times” (para contornar a censura israelita) a informação de que Livni não foi “garota de secretária” quando trabalhou para a Mossad em Paris, nos anos 1980. Antigos colegas disseram ao jornal britânico que ela “tem um QI de 150” e ajudou antigos comandos a perseguir pela Europa várias figuras da OLP. O seu presumível papel no assassínio de Mamoun Meraish por dois agentes, em Atenas, é ainda um tabu.

Da Mossad à “vida normal”

Livni entrou nos serviços secretos aos 22 anos, quando saiu do Exército. Com a patente de tenente, distinguiu-se duas vezes como “a mais brilhante oficial”. A coragem com que enfrentava duros treinos impressionava os companheiros.

Foi Mirla Gal, amiga de infância, que a recrutou. “Era muito boa no que fazia e só deixou a agência [em 1984] por livre iniciativa”, revelou ao “New York Times”. “Poderia ter feito uma carreira de 20 anos. A sua inteligência, frieza, rapidez de análise e rectidão eram qualidades muito valiosas para a Mossad.”

Livni, que tinha sido empregada de mesa no Sinai, antes de Begin restituir a península a Anwar Sadat em 1981, aspirava a uma “vida normal”. Quando regressou a Israel, concluiu o curso de Direito Comercial, que a levou a trabalhar no sector privado, durante uma década, e a coordenar a privatização das empresas do Estado.

Casou-se com Naftali Shpitzer, proprietário de uma agência de publicidade. Tem dois filhos. Gosta de roupas simples e ténis. Não se sente confortável em “tailleurs” e saltos altos. Adora fazer compras em mercados de rua. Já teve o cabelo escuro e com caracóis antes de o pintar de louro. Estes detalhes, que vão sendo expostos na imprensa americana, europeia e israelita, são acompanhados de outros, enfatizando que Livni é favorável a um acordo com os palestinianos, mas não com os sírios. E que, face à ameaça do Irão de “riscar Israel do mapa”, ela será implacável: “Iremos destruí-los antes de nos destruírem.” Gershom Goremberg diz-nos que Livni “será melhor negociadora do que Barak”, porque sabe ser, simultaneamente, flexível e intransigente (é garantido que não cederá no “direito de retorno” dos refugiados palestinianos). “Ela pode não ser tão eloquente como Abba Eban [o primeiro chefe da diplomacia de Israel], mas é muito profissional. Gosta de ver as coisas feitas. É eficiente ainda que não carismática. E está bem colocada – no centro político.”

A amiga “Condi” Rice

Naomi Chazan, ex-deputada do partido de esquerda Meretz, enviou-nos por e-mail um texto onde afirma: “Tzipi Livni não tem de suportar o peso de erros passados, como Netanyahu e Barak. E mesmo que não seja o político visionário de que Israel desesperadamente precisa neste momento, em comparação com os seus adversários, dentro e fora do partido, ela oferece um raio de esperança para um futuro diferente.

É por isso que ela tem sido um alvo, não pelo que ela representa mas pelo que ela é.” Se em Israel feministas como Chazan se sentiram no dever de “socorrer” Livni, mesmo não comungando a sua filosofia política, nos Estados Unidos há muito que a protegida de Sharon tem uma grande aliada: a homóloga Condoleezza Rice. “Tzipi é mais do que colega, tornou-se minha amiga”, escreveu “Condi” no elogio encomendado pela “Time” para a edição das 100 mulheres mais influentes do mundo. “Sentamo-nos durante horas a debater ideias, livre, aberta e por vezes combativamente (…). Respeito-a profundamente. Gosto de tê-la por perto [falam ao telefone duas vezes por semana].”

É uma amizade que já foi posta à prova. Glenn Kessler, biógrafo de Rice, escreve em “The Confidante” que Tzipi tentou convencer “Condi” a não encorajar eleições palestinianas, em Janeiro de 2006, porque o Hamas iria ganhar. “Condi” não lhe deu ouvidos e arrependeu-se. No Verão do mesmo ano, foi “Condi” a pedir a Tzipi que Israel não bombardeasse o Líbano. Livni nada podia fazer. Ela quis parar a guerra logo nos primeiros dias, sugerindo uma solução diplomática, mas Olmert recusou. Foi até ao fim, e perdeu. “A minha filha tem sempre razão”, dizia Sara Rosenberg.

* Texto publicado no caderno P2 (08-07-2008)