Padre Amaro não sabe nadar (yo)

Nada de confusões: um telefilme ou uma série televisiva não têm de ser (muitas vezes não são - "Os Sopranos", "Anjos na América", "Irmãos de Armas") menores. E é possível um objecto pensado para televisão ganhar vida numa tela de cinema - "Um Assassino pelas Costas", a primeira realização de fôlego de Spielberg, ou a saga "A Melhor Juventude", de Marco Tullio Giordana, são projectos de televisão que transitaram sem problemas para o grande écrã. A inversa também é verdade - faz agora dez anos, "Adão e Eva", de Joaquim Leitão, estreava primeiro em sala e, seis meses depois, era emitido em três episódios que resultavam igualmente bem como série televisiva.

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Nada de confusões: um telefilme ou uma série televisiva não têm de ser (muitas vezes não são - "Os Sopranos", "Anjos na América", "Irmãos de Armas") menores. E é possível um objecto pensado para televisão ganhar vida numa tela de cinema - "Um Assassino pelas Costas", a primeira realização de fôlego de Spielberg, ou a saga "A Melhor Juventude", de Marco Tullio Giordana, são projectos de televisão que transitaram sem problemas para o grande écrã. A inversa também é verdade - faz agora dez anos, "Adão e Eva", de Joaquim Leitão, estreava primeiro em sala e, seis meses depois, era emitido em três episódios que resultavam igualmente bem como série televisiva.

A obra de Carlos Coelho da Silva, contudo, não funciona de todo no grande écrã - porque se sente a cada instante destas quase duas horas que uma história pensada para ser contada com outra disponibilidade de tempo é condensada à pressão, e os resultados de tentar meter o Rossio na rua da Betesga são desanimadores. A intriga avança a ritmo acelerado, deixando pontos por explicar, criando saltos abruptos na continuidade narrativa (nunca se percebe quanto tempo decorre entre o princípio e o fim da intriga) e resolvendo a despachar situações de bom potencial dramático. Há personagens que entram por sair sem nunca terem relevância para a trama, outras caem do céu sem explicações quando se tornam necessárias à intriga, mas todas surgem reduzidas aos mais rígidos estereótipos telenovelescos (os cabeleireiros são "gay" mas de bom coração, os criminosos também são "rappers", os padres são todos sacanas), vítimas ou opressores mas quase nunca gente a sério (apesar dos esforços dos actores), numa altura em que mesmo a ficção televisiva já introduz cambiantes mais trabalhados. E, apesar da ideia de situar a acção nos bairros-problema, não só a música surge metida a martelo como se volta a cair no chavão perigosamente lugar-comum do hip-hop como reverso da medalha da criminalidade.

É possível que "O Crime do Padre Amaro" seja uma série interessante - a sua exibição na SIC, com tudo o que se adivinha ter ficado "de fora" desta montagem (as intenções originais eram quatro episódios de grande duração), será a prova dos nove. Mas, visto no grande écrã - e, pormenor crucial, antes da série -, é penoso de ver: um objecto sem forma que se faz valer do sensacionalismo "risqué" e da caução do romance de Eça de Queiroz como engodo para atrair público. Sintomático é o facto dos materiais distribuídos à imprensa no primeiro visionamento se limitarem à sinopse, a uma mera lista de actores e técnicos e à descrição da campanha de lançamento - como se não tivesse interesse saber porquê adaptar assim o romance, porquê escolher estes actores, porquê optar por uma dupla identidade filme/série; como se apenas interessasse o alarido feito à volta da estreia.

Muito barulho por nada: "O Crime do Padre Amaro" é televisão a querer ser cinema à força. E não consegue.