Ex-agente da CIA diz que Pinheiro de Azevedo e Costa Gomes ajudaram a enviar armas para o Irão

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Oswald le Winter afirmou que Sá Carneiro era um inimigo de Henry Kissinger Inácio Rosa/Lusa

Essa operação, denominada “Outubro Surpresa”, segundo este homem, que disse ter sido o “número dois da CIA para a Europa”, incluiu uma visita a Lisboa de Henry Kissinger no Verão de 1980, “com o objectivo de conseguir o apoio do Governo português no envio por barco de 8 mil ‘rockets’ para o Irão”. O recurso de Kissinger aos “dois generais” surgiu porque “o Governo de Lisboa recusou colaborar”.

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Essa operação, denominada “Outubro Surpresa”, segundo este homem, que disse ter sido o “número dois da CIA para a Europa”, incluiu uma visita a Lisboa de Henry Kissinger no Verão de 1980, “com o objectivo de conseguir o apoio do Governo português no envio por barco de 8 mil ‘rockets’ para o Irão”. O recurso de Kissinger aos “dois generais” surgiu porque “o Governo de Lisboa recusou colaborar”.

Foi com a ajuda de Pinheiro de Azevedo e Costa Gomes que, em Novembro desse mesmo ano, foram enviados, por barco, através do porto de Setúbal, “8 mil ‘rockets’, com destino a Israel e registados como maquinaria agrícola”, contou Lee Winter, que disse que o navio se chamava “Cherburg”, mas que os registos da sua passagem pelo porto de Setúbal “desapareceram”.

A operação “Outubro Surpresa”, referiu ainda, foi organizada pela campanha de Reagan [à presidência], pois, “se Carter tivesse conseguido libertar os reféns — 52 funcionários da embaixada norte-americana em Teerão —, teria ganho as eleições. Assim, por coincidência, os reféns foram libertados dez minutos depois de Reagan e Bush terem prestado juramento como Presidente e vice-Presidente dos Estados Unidos, em 20 de Janeiro de 1981”.

O ex-espião contou ainda que, neste envio de armamento, “colaborou um português, chamado Pedro Lopes, ex-funcionário da PIDE-DGS em Moçambique e dono de um escritório de venda de armas em Lisboa”. Questionado sobre outras ligações que conhecesse da CIA a Portugal, Le Winter afirmou que aqueles serviços secretos “tinham uma enorme influência numa organização chamada Renamo”.

Falou de mais uma vertente do envolvimento português nessa operação “Outubro Surpresa”, que era o envio, “através do Banco Espírito Santo, de 200 milhões de dólares norte-americanos para o Irão”. “Isso falhou porque os iranianos nunca deram a necessária carta de crédito” para a transferência, afirmou.

Le Winter, actualmente com 70 anos, vive em Cascais, e é autor de um livro, “Desmantelar a América”, lançado em Novembro de 2001, onde faz afirmações muito semelhantes às que ontem proferiu no Parlamento. E, segundo explicou aos deputados, não pode regressar aos Estados Unidos “porque iria parar a Guantanamo”, uma base militar norte-americana em Cuba, utilizada como presídio. Isto depois de ter sido “forçado a demitir-se da CIA”, na sequência de um processo, em 1985, relacionado com o caso Irão-Contras. “Fui preso, humilhado e impedido de testemunhar em tribunal”, disse ainda, sublinhando que “não tem uma pensão de reforma depois de 33 anos no Exército e de 20 na CIA”, tudo por ter “posto a boca no trombone”.

Sá Carneiro era um “inimigo” de Kissinger

Os deputados quiseram saber qual a relação entre as movimentações de Kissinger e Bush no início dos anos 80, referidas por Le Winter, e a morte de Sá Carneiro. “Uma relação directa não consigo estabelecer. Mas sei factos. Sei que Kissinger esteve aqui, que pediu uma autorização que não conseguiu, que o ministro da Defesa [Adelino Amaro da Costa] estava para ir a Nova Iorque, ao Conselho de Segurança da ONU, denunciar actos ilegais dos Estados Unidos. Como sou um homem muito velho, não acredito em coincidências”, sublinhou.

Na sua opinião, “Sá Carneiro era um inimigo de Kissinger”, porque “era um patriota português” e “um não adepto da globalização”. “Por isso, era uma pedra no sapato de Kissinger, nos seus planos para criar os Estados Unidos da Europa. Kissinger tinha tanto de brilhante como de satânico. Era um planeador soberbo, fazia planos de contingência. Em 1980, nós, na CIA, acreditávamos que éramos os bons, e que do outro lado do Atlântico estava o império do mal”.

Questionado sobre quem teria sido o autor do atentado de Camarate, o ex-agente da CIA afirmou que um amigo seu, “reformado do MI6 [os serviços secretos militares britânicos] lhe contou que Lee Rodrigues tinha desempenhado um papel muito central”. “Conheci-o no fim dos anos 70. Era um atirador dos serviços secretos britânicos e uma pessoa que interessava muito aos ingleses.”

O ex-agente da CIA aconselhou a comissão a chamar Lee Rodrigues e mais três testemunhas a ouvir no caso Camarate, entre eles, dois homens que foram agentes da Mossad (os serviços secretos israelitas).