Transportes: para quê e para quem?

Defender que a câmara municipal seja parte da gestão dos transportes é quase uma dedução lógica.

O Governo tem prosseguido uma política de destruição dos transportes públicos. Os resultados estão à vista: na Carris, no final de 2013, registava-se uma queda de 26,5% no número de passageiros, de 20,7% nos quilómetros percorridos e de um em cada cinco postos de trabalho. Há ainda menos 15 carreiras, 120 autocarros e elétricos. A tudo isso a CML disse que sim, embora, em alguns casos (poucos), o cenário pudesse ter sido ainda pior.

À degradação das condições em que o serviço é prestado junta-se o inaudito aumento das tarifas. A receita média por passageiro subiu 54,8% nos autocarros e 107,1% nos elétricos. Com isto, o Governo conseguiu o “sucesso” de um resultado operacional marginalmente positivo.

Mas os resultados líquidos saíram furados: -7,6 milhões de euros na Carris; -15,3 milhões no Metropolitano de Lisboa. Erro na “magia”? Nada disso, antes o efeito tóxico dos bem conhecidos contratos swaps.

Mesmo assim, o Governo não desistiu de enganar os incautos. O secretário de Estado dos Transportes sustenta que “o Governo optou pela concessão das empresas, porque era uma questão de sobrevivência”. Nada mais falso. Os swaps provam o contrário.

Outra falsidade: “As indemnizações compensatórias vão desaparecer com a concessão a privados.” Num país em que as “rendas garantidas” abundam e se reproduzem, esta anedota não resiste um parágrafo.

Surpreende que António Costa não responda ao Governo quando este diz que “a proposta da câmara tem de ser mais vantajosa do que o privado”. É normal que a câmara seja comparada com os 13 concorrentes que estão em linha para a concessão? Cremos que não. Nesta matéria, a verdadeira escolha é entre democracia e mercado. O Governo olha para essa escolha do lado do “mercado”, ou seja, do “quem dá mais”. António Costa deveria responder que a democracia vem primeiro. Isso significa que, quando se pensa e decide sobre uma cidade, deve-se incluir o acesso dos cidadãos aos transportes.

O dinheiro é importante “para o equilíbrio das empresas”? Sem dúvida. Por isso, é decisivo encontrar outras formas de financiamento sem ser à custa de aumentos nas tarifas. António Costa já parece reconhecer, por exemplo, que o IMI pode servir para financiar os transportes, especialmente os investimentos. Essa ideia, há mais de dez anos que é defendida pelo BE. Essa, e não só. Uma parte das mais-valias que é liquidada nas transações imobiliárias, associadas à proximidade dos transportes, devia ser canalizada para o sistema. O estacionamento também. As empresas que têm parques de estacionamento no centro da cidade deviam pagar. O mesmo se devia aplicar a uma parte do imposto sobre os produtos petrolíferos, coletado na venda de combustíveis nos concelhos da AML.

No fim da linha do financiamento estão as tarifas. Se forem necessárias, sublinhe-se. Há cidades e regiões, em várias partes do mundo, em que os transportes têm “tarifa zero”: Sydney (Austrália), Hasselt (Bélgica), Cardiff (País de Gales), Sheffield (Inglaterra), Miami, Salt Lake City, Seattle (EUA), Calgary (Canadá), só para dar alguns exemplos. Aqui, os transportes servem a mobilidade das pessoas e não a rentabilidade das empresas. Este é o debate essencial: devemos olhar para as pessoas ou para os mercados?

Defender que a câmara municipal seja parte da gestão dos transportes é quase uma dedução lógica. Impõe-se que o processo de privatização das empresas de transporte em Lisboa e no Porto seja imediatamente suspenso e que o Governo negoceie a transferência da gestão e propriedade. O formato de parceria pública-pública, conjugando a presença do Estado, câmara e, no futuro, da região, abrirá um novo caminho para um serviço público de qualidade, em linha com as opções de desenvolvimento e ordenamento da cidade e da região. 

Economista de Transportes (ex-deputado à AR, membro da COPTC)

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