Os segredos de tudo

As casas e as coisas dentro dela começam muito bem, a funcionar lindamente. Quando se quer ligar um apetrecho, liga-se e ele põe-se logo a trabalhar.

Depois passam uns anos. E, de repente, sem avisar, tudo se complica. Onde antes bastava carregar num botão, agora é preciso desligar da tomada, esperar 15 segundos e, mal se carrega no botão, sacudir vigorosamente e, mal começa a piscar, ligar e desligar cinco vezes seguidas o mais depressa possível. Assim – mas só assim – funciona com perfeição. Que é como quem diz: tal e qual como dantes, quando era novo.

Entra-se então num período em que cada maquineta, cada porta, cada fechadura tem um particular segredo. É o período de graças: achamos imensa graça aos chamados "caprichos" da nossa casa. É a prova, convencemo-nos com optimismo alarve, que a casa tem personalidade.

Este período de graças acaba com surpreendente rapidez. Passa-se então à fase permanente de irritação. O "jeitinho" para ligar o forno começa a requerer um grau de perícia artesanal e de paciência zen que nem sempre está disponível dentro das nossas almas. O "truque" para acender um candeeiro é igual ao que garante fundir a lâmpada de outro. E, com cada dia que passa, é cada vez mais difícil distingui-los.

Fica-se finalmente com uma saudade furiosa das coisas quando eram novas e simples e fáceis de pôr a funcionar. É deprimente uma casa cheia de coisas que já não são novas e que ainda não se podem deitar fora. Ainda...

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