Ordem denuncia esquema de cirurgias sucessivamente adiadas no Baixo Vouga

Esquema serviria para contornar listas de espera e evitar que o hospital tivesse de dar um cheque-cirurgia para o doente ir para outra unidade, diz a Ordem dos Médicos.

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Clínicos alertam para a degradação da situação que pode pôr em causa a segurança dos doentes e a qualidade dos actos médicos Enric Vives-Rubio/Arquivo

As cirurgias no Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV) inscritas na agenda da unidade de saúde estarão a ser marcadas sucessivas vezes, mas acabam por não se realizar, pelo que os doentes são operados fora de prazo sem terem hipótese de receber um cheque-cirurgia e ter acesso a outro hospital. O esquema é denunciado pela Ordem dos Médicos, que já remeteu o assunto para o centro hospitalar da unidade, a Administração Regional de Saúde do Centro, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) e o Ministério da Saúde.

O presidente da Secção Regional do Centro da Ordem dos Médicos, em declarações ao PÚBLICO, adianta que a situação, noticiada pela agência Lusa, terá começado ainda em 2013 e que a Ordem denunciou o caso em 2014. No entanto, segundo as informações de Carlos Cortes, o procedimento ainda estará em vigor apesar de a IGAS ter averiguado o assunto no ano passado.

Que vantagens há em marcar no calendário cirurgias que não se vão realizar? O médico adianta que, desta forma, o CHBV consegue contornar e mascarar as listas de espera, visto que quando não há data para uma intervenção e ela já excedeu os prazos previstos por lei a unidade é obrigada a dar um cheque-cirurgia ao utente, para que o doente possa optar por ser operado noutro hospital.

“Se o hospital tiver de dar o cheque ele é prejudicado, porque isso sai do seu orçamento e também tem consequências no contrato-programa. Com este esquema de sucessivos adiamentos o hospital não está a cumprir integralmente o seu papel para com toda a população”, defende Carlos Cortes, que explica que a situação chegou à Ordem dos Médicos através de clínicos que trabalham no hospital e que dizem não ter conseguido resolver o problema junto do conselho de administração do CHBV, que agrega os hospitais de Aveiro, Águeda e Estarreja. Quanto aos prazos, o limite máximo para um doente ser operado está definido consoante a urgência dos casos, que pode variar entre apenas 72 horas e nove meses.

Do lado do Ministério da Saúde, a tutela limitou-se a dizer que a IGAS está há vários meses a acompanhar o assunto e remeteu quaisquer explicações adicionais para o CHBV - que nega. "No Centro Hospitalar Baixo Vouga não se fazem falsas cirurgias nem cirurgias fictícias. Os actos cirúrgicos realizados são registados no processo clínico electrónico, monitorizados internamente pelo gabinete de controlo de gestão e externamente pela tutela", assegura um comunicado do conselho de administração. "Não é verdade que muitas das cirurgias sejam marcadas e desmarcadas sem conhecimento dos doentes, de forma a evitar o aumento da lista de espera e o recurso ao Sistema Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia [SIGIC]. No passado, algumas cirurgias foram agendadas e, por diversos constrangimentos, tiveram de ser reagendadas. Actualmente, a gestão da lista cirúrgica não apresenta qualquer desconformidade", refere o mesmo comunicado.

O problema, adianta a Lusa, já motivou também um pedido de esclarecimentos do deputado Filipe Neto Brandão ao ministro da Saúde. O socialista quer saber que diligências desencadeou Paulo Macedo, perante o “teor das graves denúncias feitas pelos profissionais de saúde, tanto mais que é afirmado que parte dos comportamentos denunciados terá tido o fim de subtrair informação ao conhecimento da tutela”.

Os últimos dados do SIGIC, relativos ao primeiro semestre de 2014, indicam que no Centro Hospitalar do Baixo Vouga foram operados, nos primeiros seis meses desse ano, um total de 4521 doentes — o que representa uma quebra de 6,8% em relação ao período homólogo. A mediana de tempo de espera foi de 3,43 meses. Os mesmos registos apontam que o número de operados fora do tempo máximo de resposta garantido caiu 12%, sendo que o número de novos doentes a darem entrada para a lista, que foi de 5661, também foi inferior em 7,8% relativamente ao primeiro semestre de 2013.

Quanto aos chamados cheques-cirurgia, também no primeiro semestre, o centro hospitalar emitiu 1241, que foram aproveitados por 372 doentes. Isto significa que 7,6% dos doentes do Baixo Vouga são intervencionados noutras unidades — o segundo valor mais elevado na Administração Regional de Saúde do Centro, apenas superado pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. Para Carlos Cortes, estes dados “reforçam a dimensão camuflada do que se está a passar, com o hospital, mesmo com o esquema, a não conseguir cumprir os tempos e a enviar doentes” para outras unidades.

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