“E, agora, o que vai acontecer?”, perguntam os ingleses no Algarve

Há quem sugira a criação de um estatuto especial para os residentes britânicos. Pode ser uma saída para os investidores.

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João Henriques (arquivo)

Há desde ontem uma grande interrogação entre a comunidade britânica residente no Algarve, depois do referendo – e agora, o que vai acontecer? A pergunta não tem resposta. William Weber é o único do grupo que habitualmente joga “bridge” em São Brás de Alportel a manifestar-se a favor do “Brexit”. “Sim, votei para sair”, diz, declarando-se monárquico, adepto da “recuperação da soberania da Inglaterra”. No intervalo do jogo semanal, ontem à tarde, não se falava noutra coisa, senão da queda da libra e nas consequências que poderão advir para quem vive e tem negócios em Portugal.

À primeira vista, num balanço rápido ao resultado do “Brexit”, sobressai o sentimento de alguma inquietação. Mas, bem vistas as coisas, diz Adriano Carapeto, proprietário de uma imobiliária, na Quinta do Lago, “nada está perdido e Portugal até pode tirar partido da situação agora criada com o referendo”. Ao fim e ao cabo, justifica, “Portugal pode dar a resposta ao vazio que foi criado com esta situação, desde que apresente condições para que os britânicos se sintam confortáveis num país que continua no espaço europeu”. Nesse sentido, defende que o governo português devia tomar a iniciativa, antecipando-se a outros parceiros da União Europeia, para que fosse criado o “estatuto do residente”. Os fluxos de capitais, particularmente activos nos últimos tempos, diz, podiam ter aqui acolhimento.

Carapeto, além de se dedicar ao ramo imobiliário, comercializa na zona de Liverpool produtos tradicionais portugueses, que vão desde o chouriço de porco preto ao mel de rosmaninho. Num primeiro momento, admite, a votação que ditou a saída do Reino Unido da União Europeia vai causar alguma turbulência nos mercados, “mas depois as relações comerciais tenderão a regressar à normalidade”. Byron Fisher, residente há 28 anos no Algarve, discorda: “Os próximos anos vão ser muito difíceis, para quem vive lá [Reino Unido] e para quem está cá. Todos perdemos”. O conterrâneo Timm Marks  está igualmente  descontente por dois motivos: o resultado do jogo das cartas e do referendo. “Hoje [sexta-feira] é um dia mau para mim”, declara.

A irlandesa Carmel, outro elemento grupo dos “Amigos do Museu do Trajo”, em São Brás de Alportel, tal como Timm, está apreensiva: “Não é possível prever todas as implicações desta decisão”, observa. O preço a pagar de imediato na economia, contrapõe William Weber, “vale pela possibilidade de controlo das fronteiras”.

A Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA), em comunicado de imprensa, recorda que o Reino Unido é responsável por cerca de 1,8 milhões de passageiros desembarcados, anualmente, no aeroporto de Faro. “Os ingleses deviam ficar dentro, a união é que faz a força”, diz Eurico Sequeira, assumindo a sua costela britânica: “Trabalhei lá 30 anos, e foi aquele país que me deu a independência”. Casado com uma irlandesa, o inspector de qualidade, reformado, observa de fora para dentro do Reino Unido. “Agora que estávamos dentro, não devíamos ter saído – deu-nos muito trabalho a entrar”.  

O retrato das eventuais dificuldades no mercado de trabalho, para os cidadãos fora da UE, é traçado por Mirta Ruego, uma suíça que vive no Algarve desde há duas décadas. “Sou veterinária, mas não podia trabalhar [antes] aqui”, diz. A situação, entretanto, alterou-se. Apesar do seu país, tal como a Noruega, não pertencerem à UE, já pode exercer a sua actividade. Para o futuro, sugere que Reino Unido deve negociar uma situação bilateral com Portugal para que os seus amigos britânicos não passem pelas dificuldades a que se sujeitou. “Acho que será isso que acabará por prevalecer, não interessa a ninguém a ruptura ”, justifica.

Do grupo dos 16 elementos que jogam bridge, William Weber destaca-se por ser uma voz isolada na defesa da saída. “A União Europeia não é democrática, e agora só têm que respeitar a vontade do povo”, remata.

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