A mísera ambição do "eduquês"

Estes resultados correspondem a testes efectuados em 2011 pelo que não há forma de os considerar indicadores de que alguma coisa fosse mal na formação de educadores de infância e de professores dos 1.º e 2.º ciclos”.

Ora, nem o resultado desses testes tem, infelizmente, o significado que MEB lhe atribui; nem a média europeia é satisfatória; nem o mérito dessa subida pertence à formação ministrada nas Escolas Superiores de Educação. Esse progresso, tão tardio, revela, pelo contrário, o seu fracasso. O facto de ostentarem tão modesta e insignificativa classificação mostra, afinal, a mísera ambição dos seus objectivos. Vejamos porquê:

1. Os testes referidos foram aplicados a alunos de 10 anos, a terminar o 1.º ciclo. A este nível, nestes tempos “pós-modernos” em que pouco ou nada se ensina a essas crianças, ainda não há grande diferenciação nos conhecimentos dos alunos.

2. E os referentes não são significativos. Se compararmos os resultados dos nossos alunos - tal como os dos alunos da generalidade dos países europeus - com os dos alunos dos países que claramente progrediram, verifica-se um atraso geral dramático (et pour cause...). Ora, devem ser os resultados desses países o exemplo e o desafio para nós. Atente-se no sucesso conseguido por alguns deles, em várias latitudes, em quatro vezes menos tempo.

3. O mérito desse nosso progresso, relativo a países da Europa em que a qualidade do ensino se tem degradado, não pertence às referidas teorias, mas, pelo contrário, como veremos, ao recuo no seu domínio.

De facto, nos testes PISA, mais significativos, porque aplicados a jovens com 15 anos, quando a influência da escola nos conhecimentos dos alunos é já mais acentuada, os resultados foram sempre muito fracos até 2009, só então se verificando o primeiro progresso visível, depois de o modelo há tantos anos imposto começar a ser contrariado, ainda que timidamente. (Acrescente-se ter constado que o ministério de M. L. Rodrigues não incluiu alunos dos cursos profissionais, e por isso os resultados teriam sido melhores)

Na verdade, o progresso verificado no PISA de 2009 e nos PIRLS e TIMSS de 2011 começa por estar ligado a uma mudança de ambiente resultante das vitórias no longo combate travado por alguns cidadãos e jornalistas, nomeadamente: divulgação dos resultados das provas de aferição e dos exames que ainda restavam; participação nas provas comparativas internacionais, que Ana Benavente proibira.

E, depois, a medidas que, embora temerosas e circunscritas, começaram a enfrentar, o que eu, saudando-as, designei por “eduquês” puro e duro.

Medidas do tempo de D.Justino, nomeadamente reintrodução de exames e preocupação com o ensino profissional. Orientação reforçada por Sócrates/M. L. Rodrigues: afirmação veemente do valor dos exames; mudança no modelo de direcção das escolas; assumida reabilitação da ideia do ensino profissional, permissão para as escolas criarem cursos profissionais - ferindo, assim, um dos dogmas mais estúpidos e cruéis do "eduquês" (de que logo resultou uma localizada descida no abandono escolar); reciclagem, embora mal realizada, de professores de Matemática - “anunciando” o que Crato, seguramente, quer fazer. Medidas que valeram a MLR a significativa ruptura com os ultras das “ciências” da educação.

Registe-se, ainda, a determinação de MLR em enfrentar politicamente os que nunca deixaram governar qualquer ministro, que hoje usam como “carne para canhão” muitos professores, presas fáceis depois de "qualificados" pelas ESE (também pedagogicamente, como se vê).

ESE e mesmo formação de docentes nas Universidades de que Crato deveria ter já promovido a reformulação. Tal como a selecção dos candidatos a esses cursos (na Finlândia é muito rigorosa, com resultados à vista), e a inadiável reciclagem de docentes no activo.

4. O progresso nos testes em causa não traduz, pois, infelizmente, a realidade da grande maioria das escolas.
O indicador expressivo, fiável, da qualidade da educação, é, afinal, o estado em que Portugal se encontra, em todos os registos da realidade - participação cívica, política, economia, cultura, desenvolvimento, independência nacional, em suma. Atraso agravado dramaticamente pelos anos devastadores do “eduquês”.

5. Dou apenas o exemplo determinante da leitura. Transcrevo de Valter Hugo Mãe o testemunho insuspeito que cita:
“Chocou-me ouvir Alice Vieira dizer que os bestsellers dos anos 80 que a levavam às escolas para falar com miúdos do 6.º ano, agora são os mesmos que a levam para falar com miúdos do 12.º ano. Diz ela que, hoje, os livros que concebeu para miúdos de 13 anos, estão a ser lidos e trabalhados por miúdos de 17, no âmbito das escolas. 'O que vou fazer? Pelo menos que os apanhemos aos 17, se não estes livros para 13 anos vão ser mais tarde ou mais cedo trabalhados na universidade ou em doutoramentos e eu vou ser chamada para falar com adultos marmanjões que deviam ter entendido isto aos 13 anos'.”

A observação de Alice Vieira demonstra que temos estado, desde há muito, a recuar, que os nossos jovens aprendem cada vez mais tarde o que deviam aprender muito mais cedo.

6. Do artigo de MEB fica-me uma perplexidade: pensará MEB, realmente, ser possível ensinar-se o valor da leitura, suscitar o seu hábito, a sua paixão, ou mesmo, tão somente, ensinar com eficácia e alegria uma criança a ler, sem se ter consciência desse valor, sem a experiência apaixonante e transformadora do convívio com os grandes textos, Eça, Camilo e Saramago, como, ironizando, refere? Poderá alguém ser Professor sem uma cultura geral básica? O mesmo se verifica com a química ou a matemática - com a referência à trigonometria MEB tenta caricaturar a exigência que o actual ministro quer promover. Mas há mesmo muitos professores de Matemática incapazes de chegar ao resultado de 8X7, para não falar nos mestres e doutores que não sabem alinhavar duas ideias, nem sabem o mais elementar da História de Portugal...

Mas essa ideia errada, geradora de ignorância e desumanização, está, afinal, no âmago da genética do “eduquês”: desvalorização do conhecimento, horror ao mérito, ideia, social e humanamente aviltante, de que a ignorância, mesmo do mais básico, ou a idiotice, podem ensinar, valorizar, criar, realizar seja o que for. Não sou capaz de atribuir tal ideia a MEB.

Quanto ao que Nuno Crato, cercado, tem sido capaz de fazer, ver-se-á, se houver tempo, o efeito, e haverei de me pronunciar. Devo isso aos muitos Professores com quem partilhei angústia, indignação e esperança.

Editor da Gradiva

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