O que vai fazer falta

O julgamento político que os eleitores fizerem da coligação estará bastante mais próximo da realidade do que aquele que se verificou nas autárquicas.

Há dois tipos de análises que inevitavelmente vão ser feitas na noite de 25 de Maio, quando os resultados das eleições para o parlamento europeu estiverem consolidados.

A principal análise decorrerá da comparação entre os resultados obtidos pela coligação de direita e o partido socialista, sobretudo da amplitude da sua diferença tanto em valor percentual como em número de deputados eleitos. A outra análise, não menos importante, deverá incidir sobre o contraste entre os valores obtidos por toda a oposição e a coligação que apoia o governo. Em cada caso são diferentes as consequências políticas, considerando os insistentes apelos para um consenso com incidência governativa vindos do PSD/CDS, mas também, e estranhamente, de algumas figuras do partido socialista.

Do lado de quem, reclamando-se da oposição, replica o discurso do consenso, quaisquer que sejam as diferenças nos termos, está inevitavelmente a branquear a política dos autores da mensagem. E a não ser por um súbito e incontrolado impulso sadomasoquista – sádico para com os portugueses, e masoquista para a respectiva formação partidária – o efeito imediato deste apelo é a desmobilização do eleitorado. Se, na primeira oportunidade, invocando razões de Estado e os inefáveis superiores interesses da nação, os agora designados partidos do arco da governação vão reproduzir o sistema de alianças dominante, é legítimo que os eleitores se interroguem sobre a razão da utilidade da sua participação em actos eleitorais cujas consequências, para aquilo que directamente os interessa, já estão pré-determinadas. E se há terreno onde a ambiguidade das intenções políticas cresça e prolifere, é nos consensos gerados a partir das direcções partidárias. Tenha-se presente que uma diferença substancial entre os valores obtidos pelos defensores e promotores das políticas que têm vindo a ser aplicadas a pretexto do programa de ajustamento e aqueles que se lhe têm oposto acaba por representar um argumento político particularmente robusto para este lado da barricada: são os eleitores a declararem explicitamente que não confiam naqueles partidos para uma solução que tenha em vista um programa de reconstrução nacional. Porque afinal de contas é essa a agenda do próximo governo, é disso que se vai tratar.

Considerando que será na comparação entre os resultados obtidos pela coligação de direita e o PS que irão ser retiradas as principais ilações políticas imediatas, principalmente para o período que se segue à conclusão oficial da intervenção da troika, a diferença que se vier a observar representa qualitativamente mais do que o respectivo valor – é o símbolo de quem teve de juntar as suas fraquezas para mascarar um desastre eleitoral de proporções catastróficas. Nas eleições de 25 de Maio, dada a contaminação que as políticas seguidas pelo governo sofreram das orientações preconizadas pela Comissão Europeia, o julgamento político que os eleitores fizerem da coligação estará bastante mais próximo da realidade do que aquele que se verificou nas eleições autárquicas, em que algumas lideranças locais contribuíram para que os resultados do PSD/CDS não fossem ainda mais devastadores.

Mas se o conjunto da votação do centro-esquerda e da esquerda tiver a dimensão da hostilidade que a população vem manifestando a estas políticas, as consequências políticas terão de ser mais vastas e profundas. Desde logo o reconhecimento de que o actual governo, somadas duas derrotas eleitorais, deixou de ter condições para continuar a governar e mais vale atalhar uma decisão de convocação de eleições antecipadas do que manter uma situação em que o quadro político-partidário já se encontra total e consolidadamente invertido. Nesse provável cenário, Cavaco Silva é obrigado a confrontar-se com a mensagem que os portugueses lhe estão a dirigir e a agir em conformidade.

Porém, para que no 25 de Maio se concretize a aspiração de muitos milhares de eleitores há duas condições que é necessário satisfazer. Que toda a oposição concentre os seus argumentos no combate ao adversário principal; que toda a oposição tenha o engenho de mobilizar os eleitores para uma grande manifestação cívica de presença nas urnas de voto nesse dia. Porque vai ser isso que vai fazer falta.

Dirigente da Renovação Comunista

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