O circo chegou à aldeia

Há confetes e serpentinas espalhados ao vento...

Verdade seja dita que há muito que o circo está por cá instalado mas há momentos, como o actual, em que o nível das performances dos artistas e o barulho dos altifalantes dos automóveis que percorrem as ruas do burgo a anunciar as novas atracções nos obrigam a assistir com maior atenção ao espectáculo. E de facto, vale a pena ver o que se passa nas várias pistas deste circo que, embora remediado, tem números com elevados custos de produção

Porque o circo é pobre, os artistas desdobram-se naturalmente em vários papéis. O chefe de pista que se tem notabilizado por diversos números, surpreendeu-nos há pouco com uma pirueta ao alertar-nos – a emoção é essencial no espectáculo circense – para o perigo de os contribuintes terem de suportar eventuais perdas com a situação do BES. Exactamente o oposto do que havia sido garantido aos portugueses no passado mês de Agosto, numa altura em que o circo iniciava o fantástico número “BES BOM /BES MAU”. Verdade seja dita que a sua compére já tinha admitido essa possibilidade no mesmo dia, revelando mais uma vez uma enorme coordenação na actuação desta dupla.

O chefe de pista, de resto, desdobrando-se em diversas actuações, tem-se revelado exímio a galopar o cavalo Tecnoforma – Centro Português Para a Cooperação (CPPC). Em estonteantes voltas na pista, o chefe de pista tem-nos conseguido confundir a todos: afinal a Tecnoforma dava anualmente um milhão de euros à CPPC ou não ? E para que fins? E como eram gastos ? Será que a CPPC era uma ONG má ? E a Tecnoforma uma ONG boa ? Ou seria o contrário ? De uma coisa ficámos todos certos: todos os intervenientes foram reembolsados das suas despesas, os reais valores pagos não serão conhecidos e os papéis que poderiam explicar um pouco o que se passou foram transformados em  confetes e serpentinas espalhados aos quatro ventos das pistas de aviação.

Outros dois artistas de grande nomeada desta companhia, uma funambulista e um ilusionista, destacaram-se ao longo destas semanas por conseguirem fazer aparecer e desaparecer perante os nossos olhos as realidades mais evidentes, ao mesmo tempo que se equilibravam numa corda televisiva ou parlamentar,  desculpando-se e culpando-nos a todos nós por se terem aventurado a fazer os seus números sem rede. A funambulista chegou mesmo ao ponto de considerar que o facto de estar, não só ela, como toda a sua cidadela, “citiada”, se podia dever ao facto de para o ano haver eleições! Foi um momento alto da sua actuação e que nos fez suspender a respiração pela ousadia do número. Mas, felizmente, de uma situação em que tudo estava bem, parece que haverá mais duas comarcas em que as coisas não estarão mal. Palmas, se faz favor!

Como igualmente merece palmas o seu colega ilusionista que conseguiu o prodígio de nos manter presos à palavra “manter-se” enquanto guardava na manga a palavra “manter-se-ão”. Fácil? Pode parecer, mas só quem lá esta dentro é que sabe o trabalho que dão estas criações artísticas e literárias. Muito estudo e muita honestidade intelectual.

É certo que o espectáculo, por vezes, passa do pungente ao pindérico e se podem ver as meias rasgadas das trapezistas. Há dias, um artista convidado estrangeiro, que tem abrilhantado muito discretamente o espectáculo, discutindo-se mesmo se valeu a pena o investimento, tomou o centro da cena e, enquanto as pombas voavam à sua volta, esclareceu-nos: “Acho que, às vezes, em Portugal, se faz muita confusão e alguma especulação sobre questões de diferença de tonalidade e diferença de ênfase".  Falava ele desta forma elegante, sobre as diferenças de discurso na coligação dos Ringling  Brothers e Barnum & Bailey em relação aos impostos, nomeadamente a uma eventual descida do IRS. Enquanto rodava um cilindro com os pés deitado num colchão dourado, este artista convidado confirmou a bondade do show: havia muitos motivos para baixar o IRS em 2015, essa era a vontade dos donos do circo, estavam mesmo a fazer um grande esforço nesse sentido mas era necessário estar na posse de todos os números. Estávamos, assim, perante um número de grande responsabilidade. Enquanto as gargalhadas estralejavam,  o artista convidado sorria, intimamente satisfeito com o sucesso do seu número: ninguém percebera que em 2015 havia eleições e que a baixa na taxa suplementar do IRS é um dado adquirido.

Mas o espectáculo não se limitou ao que se desenrolava nas pistas. Desta feita, tivemos direito a um espectáculo subaquático com submarinos e tubarões. E foi pedida a participação do público: estávamos perante “luvas” ou “fluxos financeiros”? Uma questão de difícil resposta no nosso país mas que já foi respondida na Alemanha com todas as letras: houve “luvas” sim senhor. Mas, claro, o que se passa na Alemanha é lá com eles. Felizmente somos muito ciosos da nossa independência e do nosso nariz .

E onde estão os palhaços neste circo, perguntarão os leitores? Estamos aqui, responde o articulista.

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