É no online que as receitas mais crescem

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Vendas dos semanários e desportivos têm vindo a cair, só os jornais económicos escapam à crise Foto: Ana Banha

Os jornais em papel não acabam, mas terão de se adaptar a novos modelos de negócio, à Internet e às aplicações móveis. Esta é a previsão dos especialistas na área da comunicação social ouvidos pela Lusa sobre o futuro do sector, cada vez mais sustentado nas receitas conseguidas pelas edições online.

Se há dez anos muitos consideravam que o online iria acabar com os jornais em papel, hoje há quem acredite que essa tarefa caberá aos dispositivos móveis, como os tablets ou os smartphones. Ainda assim, alguns acreditam que o papel existirá sempre, apesar dos efeitos da crise económica, que acelerou a crise do jornalismo.

"O papel existirá sempre, caso contrário seria como se comêssemos uma fruta, sem ter olfacto, tendo apenas o sabor", resume o presidente da OmnicomMediaGroup, Luís Mergulhão. O responsável desta agência de meios considera que o papel “é por natureza o meio mais associado à informação, mais do que a televisão e a rádio, muito ligados ao entretenimento", disse.

No entanto, Mergulhão entende que os jornais terão de dar resposta aos desafios colocados pelo online e pelas novas plataformas, tal como fizeram quando apareceu a rádio e a televisão.

Publicidade a cair no papel
O papel pode não acabar mas os números não são animadores. Os dados da Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação revelam que as vendas de jornais caíram acentuadamente na última década. Os desportivos e os semanários registaram quebras de 42% e 39%, respectivamente. Apenas os económicos escapam à crise, com um aumento nas vendas de 17% desde 2004. 

A par da quebra das vendas, as receitas publicitárias sofreram uma redução muito significativa nos últimos anos. Segundo dados fornecidos pela OmnicomMediaGroup à Lusa, a imprensa portuguesa perdeu mais de metade das receitas publicitárias na última década, passando de 223,7 milhões de euros em 2001 para 94,4 milhões de euros em 2012.

A evolução para as plataformas digitais e o crescimento das assinaturas digitais das várias publicações tem permitido diminuir o impacto da quebra das receitas publicitárias e das vendas em banca.

Essa é, de resto, a tendência que se verifica nos Estados Unidos, por exemplo, onde as receitas publicitárias do online deverão este ano superar pela primeira vez as das edições impressas. Dados da consultora eMarkeeter indicam que os investimentos publicitários em meios digitais vão atingir este ano 37,31 mil milhões de dólares, superando pela primeira vez a “fatia” da imprensa em papel, que vai “encolher” para 34,33 mil milhões de dólares.

Nos Estados Unidos há já exemplos de jornais e revistas que vão acabar com as edições impressas para apostar no online. O caso mais conhecido é o da revista Newsweek, mas há também a revista SmartMoney ou o diário The Times-Picayune, o único da cidade de Nova Orleães, que passou a ter apenas três edições por semana, concentrando-se no seu site.

Conteúdo pago ou gratuito?
Para o presidente da Associação Portuguesa de Imprensa (API), João Palmeiro, o futuro está no “mix entre o papel e o não papel, entre conteúdos gratuitos e fechados”. Opinião diferente tem o director do jornal económico Dinheiro Vivo, André Macedo, para quem a subsistência do jornalismo está dependente de conteúdos pagos.

“Aquilo que define os jornais não é o papel, é serem escritos. Dentro de cinco a dez anos, será nas aplicações para os tablets e smartphones e num modelo 100% pago que o jornalismo vai subsistir e desenvolver-se de forma fantástica", afirma André Macedo.

O exemplo da realidade norte-americana dá-lhe razão. O jornal New York Times, pioneiro na transição para o digital, começou a cobrar no ano passado pelo acesso total a conteúdos no seu site e era em Maio o título de imprensa online mais lido, com 29 milhões de visitas, a par do mais jovem Huffington Post.

Pedro Santos Guerreiro, director do Jornal de Negócios – que nasceu no online e só depois foi para o papel – acredita que vai ser possível combinar as duas plataformas, embora admita que as grandes audiências estarão no online e o consumo no papel será mais lento. O futuro, prevê, passa pela combinação de conteúdos pagos e gratuitos, quer no papel quer no online.

Já o ex-jornalista e um dos fundadores do PÚBLICO e do PÚBLICO.PT, José Vítor Malheiros, sublinha que o importante no jornalismo não é o facto de se apostar em determinadas plataformas, mas sim a qualidade, devendo o jornalismo produzir democracia, alimentar o debate público e destinar-se a um espaço público.

Segundo José Vítor Malheiros, "existe uma crise profundíssima do jornalismo, do modelo de negócio e sobretudo de credibilidade", em que "os jornalistas permitiram que a sua actividade se tornasse industrial, com ritmos industriais e modelos de negócios industriais". O essencial, afirma, é que cada um tem de conhecer os seus leitores, falar com eles e negociar com eles.

Jornalismo de qualidade online
A migração do jornalismo em papel para o online tem implicações na qualidade dos projectos? Para os especialistas ouvidos pela Lusa, esta é uma falsa questão. "Tratar a Internet como um papão não resolve nada", diz António Granado, professor na licenciatura em Comunicação Social na Universidade Nova de Lisboa e antigo jornalista do PÚBLICO.

Granado considera que "é possível fazer jornalismo de qualidade na Internet". E sublinha: "Alguns projectos, como o Huffington Post nos Estados Unidos conseguiram impor-se, mas também é verdade que muitas outras soluções estão a conseguir sobreviver na internet." O jornalista acredita que os leitores estão dispostos a pagar por informação de qualidade, mesmo se produzida através de projectos pequenos, "de nicho".

Também Felisbela Lopes, docente de Ciências de Comunicação na Universidade do Minho, acredita que o futuro do jornalismo – em qualquer suporte – passa pela diferenciação dos conteúdos. "Nenhum projecto sobreviverá se continuar a adoptar estratégias que clonem as opções dos concorrentes ou se fizer réplicas daquilo que se encontra facilmente online".

O ex-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, José Azeredo Lopes, é mais céptico. “Como (quase) sempre acontece entre nós (mas também no quadro europeu) tendemos a replicar fórmulas que só foram inovadoras - e rentáveis - porque, justamente, foram inovadoras”, afirma. Por isso, Azeredo Lopes não está “muito optimista” em relação à perspectiva de Portugal poder incubar projectos como o Huffington Post, ou o Médiapart.

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