Defender a honra ou institucionalizar a devassa e a calúnia

Graças a Deus, os juízes não são deuses nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (mesmo quando usada abusivamente) está acima da Constituição.

O artigo que [Francisco Teixeira da Mota] publicou sob o título Atingir a honra ou derrotar politicamente [11/7/2014] com base num acórdão de 1 de Julho de 2014 da Relação de Évora, sofre de várias omissões que não concorrem para o esclarecimento dos leitores sobre o caso a que se refere.

Desde logo, a afirmação do presidente da Câmara de Estremoz publicada num jornal regional não é dirigida ao “político Eduardo Basso,deputado municipal”, mas sim ao “cidadão Eduardo Basso, na sua qualidade de presidente da Lace”, que são como sabe “personalidades jurídicas” distintas, facto que faz toda a diferença para qualquer análise séria deste caso. Também dificilmente tal afirmação se pode incluir num contexto de “aceso debate político”, uma vez que foi feita numa entrevista a jornalistas na qual eu não estava presente, mais de cinco meses depois da publicação do meu editorial no jornal <i>Ecos</i> que você transcreve em parte e da minha última participação na AM de Estremoz, distância temporal esta que nem mesmo a conhecida “calma alentejana” consegue justificar.

Acresce ainda que o senhor omite que a dívida que o fisco reivindicava (e que já não existe!) nem sequer era uma dívida pessoal minha mas sim a reversão na minha pessoa das dívidas ao fisco de uma empresa de que fui sócio-gerente e que foi à falência por concorrência desleal e directa do Estado.

O senhor também omite que sobre este mesmo caso foi emitido em 3 de Abril de 2013 um outro acórdão da mesma Relação de Évora, assinado pelas juízas desembargadoras Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz e Maria Cristina Capelas Cerdeira, onde se pode ler “que nos encontramos perante dois direitos fundamentais – direito ao bom nome e reputação e direito de expressão – que têm igual peso na hierarquia dos valores constitucionalmente protegidos e que, por estarem sujeitos a restrições, não podem considerar-se como direitos absolutos”, acrescentando que a afirmação do presidente da Câmara de Estremoz sobre a minha pessoa “ultrapassa o limite imposto por lei, atingindo o núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação... de forma desproporcionada, sendo também certo que não está demonstrada a veracidade da imputação ou o convencimento da sua veracidade, por parte de quem a faz” e concluindo pela pronúncia do presidente da Câmara de Estremoz, ao invés do acórdão de 1 de Julho passado, que, defendendo a prevalência do direito à liberdade de expressão sobre o direito à honra e ao bom nome dos cidadãos, conclui pela absolvição do mesmo presidente da câmara.

Omite também que nem em juízo nem fora dele, o presidente da Câmara de Estremoz logrou provar o que insinuou e foi por isso que caiu inevitavelmente na alçada dos fundamentos que justificaram a sua pronúncia pela Relação de Évora em 2013 e que levaram à sua condenação pelo Tribunal de Estremoz em 2014. E não provou porque não podia provar o que nunca existiu, porque as únicas verbas entradas no fisco por conta dessa dívida foram as das minhas senhas de presença nas reuniões da AM de Estremoz, transferidas pelo município.

O senhor não acha também que é no mínimo tendencioso os autores do acórdão de 2014 considerarem que o facto de eu ser devedor (revertido, repito) de uma certa quantia às Finanças ser, por si só, condição suficiente para duvidar da utilização das verbas públicas atribuídas à associação de que eu sou presidente, pondo até em causa a idoneidade e honradez dos outros membros da direcção da mesma, ou que faltem à verdade acusando-me de fazer uma queixa a “entidades administrativas” que nunca fiz (nem a Lace), induzindo até o senhor em erro ao apelidar-me de “queixinhas”, isto acreditando que o senhor, ao fazê-lo, não está, com certeza, a pôr em causa o direito de acesso à Justiça para defesa do meu bom nome e reputação.

Porque, graças a Deus, os juízes não são deuses nem a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (mesmo quando usada abusivamente) está acima da Constituição, não me conformo com a argumentação nem com a decisão do acórdão de Julho de 2014 e tudo farei para que a Justiça portuguesa me explique em que país vivo: se no país do acórdão de 2013 ou se no país do acórdão de 2014?

Professor aposentado, presidente da Liga dos Amigos do Castelo de Évora Monte

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