Controlar um terreno agrícola com um simples clique

Jovens engenheiros portugueses criaram uma tecnologia que permite controlar plantações agrícolas à distância e vão lançá-la no mercado no próximo ano. Dois dos fundadores chegam hoje ao Chile, a convite do Governo local, para desenvolver a aplicação

Fotogaleria
Os três membros da Wisenetworks Bárbara Raquel Moreira
Fotogaleria
Os sensores Bárbara Raquel Moreira

Monitorizar meticulosamente o que se passa nas plantações agrícolas e actuar em conformidade com os dados recolhidos para optimizar a produção. Tudo sem sair do sofá – ou do escritório, do ginásio, do café. A promessa parece saída de um vídeojogo com imaginação q.b., mas não podia ser mais real: a Wisenetworks acaba de chegar ao Chile para testar a tecnologia que está a desenvolver há cerca de um ano e meio e terá o produto pronto a entrar no mercado durante o primeiro semestre de 2014.

A startup portuense, criada por seis jovens engenheiros electrotécnicos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), promete uma resposta “completamente inovadora” para os produtores agrícolas. Não é só a possibilidade de monitorizar o que se passa na sua plantação (níveis de humidade e de radiação a que está sujeita, temperatura, intensidade do vento, entre outros parâmetros), mas também a de ter respostas cientificamente desenhadas para a situação e até de actuar (regando mais ou menos, usando mais ou menos fertilizante) à distância para ter uma produção mais eficaz.

A ideia conquistou o Governo chileno, que seleccionou a empresa portuguesa incubada no Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto como uma das 85 vencedoras da StartupChile, entre 1400 empresas de 28 países, e galardoou-a com um prémio de 40 mil dólares (cerca de 30 mil euros). Tiago Sá e Ricardo Neves, dois dos fundadores, aterram hoje no Chile, onde, durante sete meses, vão testar a tecnologia da Wisenetworks e tentar abrir caminho para a internacionalização – do Chile para a América Latina, depois para a América do Norte e para a Ásia.

“Qualquer negócio que nasça hoje em dia não pode nascer pt, tem de nascer global. A Wise teve a sorte – e a sorte dá muito trabalho – de ter esse incentivo financeiro e de networking de poder perceber como são as coisas no Chile e vai aproveitar essa oportunidade para fazer o desenvolvimento de canal, como dizemos na gíria”, disse ao PÚBLICO Manuel Machado, que entrou na equipa recentemente. Para o engenheiro, actualmente, é “impensável” entrar no mercado global sem parcerias. “A internacionalização exige um grande esforço. Há muito apoio de coaching para que essa internacionalização aconteça de forma credível.”

Quando os fundadores – Tiago Sá, Ricardo Neves, Miguel Rodas, Sandro Vale, Flávio Ferreira e Luís Azevedo – começaram a desenvolver a tecnologia associada à Wisenetworks ainda não sabiam bem a que a iam aplicar: “Era só uma ideia de comunicação, só uma tecnologia sem aplicação definida”, recorda Miguel Rodas. Daí à agricultura foi um passo: juntar à equipa dois engenheiros agrónomos e “perceber que havia uma lacuna nesta área”. “Não existe nada semelhante no mercado”, garantem em uníssono.

O primeiro protótipo já está pronto e vai agora “começar a ser validado com testes no terreno”. Nas plantações, é instalada uma rede de estações de medição autónomas, com sensores meteorológicos e de crescimento da planta, que permite recolher continuamente informação sobre o cultivo e monitorizar em tempo real o que está a acontecer através do portal da Wisenetworks, que estará disponível online e também em dispositivos móveis.

Para cada cliente – que pode ter qualquer plantação, apesar de o sistema estar mais orientado para as vinhas –, a startup vai disponibilizar uma resposta diferente e ajustada. Exemplos? Um produtor do Douro precisará, muito provavelmente, de uma rede com várias estações de medição, tendo em conta a heterogeneidade do terreno com declives significativos; no Alentejo, um terreno de vários hectares, plano, poderá ser monitorizado com poucos dispositivos.

O produtor poderá optar por um de quatro planos diferentes. Apenas pela supervisão (“provavelmente, será essa a primeira etapa para a maior parte deles”, prevê Manuel Machado), acedendo a dados disponibilizados em bruto: “Mostramos em forma de gráfico a variação da temperatura, da humidade, se, para períodos homólogos, estamos muito diferentes ou não, etc. Isso é uma componente sem inteligência, pegar em informação e mostrá-la”, explicou. Pode querer definir alertas – ser avisado, por exemplo, se a temperatura subir ou baixar de determinado nível ou se a humidade variar –, que lhe permitem agir depois localmente. Pode solicitar a intervenção dos engenheiros agrónomos da equipa, que explicam cientificamente o que se pode aferir a partir dos dados que chegam ao portal e sugerem uma intervenção. Ou podem optar pelo serviço mais completo, que inclui a actuação. “Vamos integrar com sistemas, por exemplo, de automatização de rega coisas como, em vez de programar a rega para regar de x em x tempo, vou poder dizer se a humidade baixar de determinado valor e se estiver nestas horas do dia o sistema de rega liga-se. O objectivo é fechar o circuito e conseguir interagir com as culturas de forma semi-automática e deslocalizada”, expôs Manuel Machado, que trabalha com Sérgio Rodrigues na empresa Manemac, que se associou à Wisenetworks para “ajudar a transformar a ideia num negócio”.

Habituado a trabalhar fora de Portugal, o engenheiro electrotécnico que deixou um emprego de 12 anos na função pública para se arriscar nos negócios, gosta de realçar a sua percepção exterior sobre o talento dos portugueses: “Somos sempre muito bons no que fazemos.” Prova disso, conta Manuel Machado, é o “massacre” a que uma entidade americana submeteu os jovens portugueses na última semana, para que se inscrevessem num concurso semelhante ao StartupChile, mas nos EUA. “É bom falar destas coisas. Ser empreendedor em Portugal é muito difícil, muito mais no que noutras partes do mundo. E se é verdade que nem todos temos de ser empresários, também acho que é verdade que todos temos de ser mais proactivos”, defende.

A nova vaga de jovens agricultores que está a colorir o sector em Portugal é uma “janela de oportunidades” que a Wisenetworks quer aproveitar, diz Manuel Machado: “Estas pessoas estão com uma predisposição para ter as tecnologias ao serviço da agricultura que infelizmente os seus antecessores não tinham.” O número de jovens a instalarem-se no sector está a crescer e chegava, no início deste ano, a perto de 300 pessoas por mês, alavancados pela falta de alternativas mas também a uma mudança da percepção negativa que o sector tinha perante o país.

O preço da instalação desta tecnologia não está definido e os jovens engenheiros preferem não atirar um número para o ar. É tão variável quanto isto: “Podemos instalar sensores que custam 20 euros e têm uma margem de erro de dois valores ou sensores que custam 500 euros e têm uma margem de erro de 0,01. Podemos ter de instalar uma rede com dois dispositivos ou com dez. Podemos ter um cliente que queira só monitorizar e um que queria fazer tudo à distância.” O que é garantido? “Acreditamos que vamos ter um produto melhor por um custo inferior àquele que existe para algumas coisas do mercado, que apenas monitorizam, nunca têm a camada de inteligência que acrescentamos.” E o retorno acontece sempre: “Se não fosse assim, isto não seria um negócio”, brinca Manuel Machado.

Sugerir correcção
Comentar