A questão do plasma português

Que boa parte do plasma português é deitado fora e que o Estado o compra inactivado à Octapharma vai para mais de 15 anos, não é uma opinião, mas um facto.

Tal como prometi, regresso ao direito de resposta que Paulo Lalanda e Castro assinou no PÚBLICO, onde acusa o meu texto Tudo Bons Rapazes de várias falsidades. Entre elas, esta: “A Octapharma não colheu, ou colhe, qualquer benefício do não aproveitamento do plasma português. O que comercializa é um serviço cujo custo e remuneração é matematicamente o mesmo quer inactive plasma português ou de outra origem.”

Que boa parte do plasma português é deitado fora e que o Estado o compra inactivado (ou seja, preparado para ser transfundido em condições de segurança) à Octapharma vai para mais de 15 anos, não é uma opinião, mas um facto. Que a Octapharma colheu ao longo desses anos inúmeros benefícios na sua relação com o Estado português não sou eu que o digo, mas vários entrevistados na reportagem de investigação da TVI O Negócio do Plasma, assinada por Alexandra Borges e transmitida há cerca de dois meses.

Foi nessa excelente reportagem que o meu texto se baseou, e quem a tenha visto dificilmente olhará para a Octapharma portuguesa com a candura que Lalanda e Castro evidencia no seu direito de resposta: a investigação de Alexandra Borges é um retrato avassalador da forma como o Estado desbarata recursos, e uma descrição muito pouco simpática (para sermos modestos) do quase monopólio da Octapharma no mercado de hemoderivados português, contrariando tanto as boas práticas económicas, como as de saúde pública.

Lalanda e Castro tem toda a razão quando diz que a Octapharma tanto pode inactivar plasma português como plasma estrangeiro, já que aquilo que a empresa “comercializa é um serviço”. O que ele não explica é porque é que o Estado português não faz o mesmo que em Espanha, onde o plasma é inactivado nos próprios hospitais que o recolhem, ou porque é que todo o país não faz o mesmo que o Hospital de Évora, que deixa o plasma em quarentena até estar garantida a sua segurança. Tudo procedimentos muito mais baratos.

Claro que a réplica de Lalanda e Castro é fácil de adivinhar: não é a Octapharma que tem de responder a essa questão, mas o Estado português. E, mais uma vez, estará certíssimo. Só que, perante a investigação da TVI, falar simplesmente em “inércia” ou em “passividade” do Estado é um mero eufemismo: o concurso que a Octapharma venceu em 2000 e que lhe conferiu a posição dominante continuou em vigor anos sem fim, e os dois concursos para fornecimento de hemoderivados lançados durante o consulado Sócrates — e nos quais a Octapharma perdeu essa sua posição dominante  simplesmente nunca chegaram a ser adjudicados.

Mais: um dos médicos que integraram o júri do concurso de 2000, Luís Cunha Ribeiro, actual presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, viveu desde 2004 num apartamento de Lalanda e Castro. E onde fica esse apartamento? No prédio Heron Castilho, popularizado pelo engenheiro José Sócrates, que foi empregado de Lalanda e Castro na Octapharma entre 2012 e 2014 e de onde Luís Cunha Ribeiro terá saído já depois da prisão do ex-primeiro-ministro. Questionado pela TVI, Cunha Ribeiro, apesar de ocupar presentemente funções públicas, não apresentou qualquer informação acerca do seu contrato de arrendamento. Talvez Paulo Lalanda e Castro nos queira esclarecer a todos quanto a isso, já que entende que as considerações que sobre ele faço são tão injustas e tão imerecidas.

Jornalista (jmtavares@outlook.com)

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