Zona franca gera consensos entre os partidos na Madeira

A importância da zona franca para a economia madeirense é praticamente consensual entre os vários quadrantes políticos no arquipélago. Os mais críticos, como o PCP, retiraram o tema da sua agenda e mesmo o Bloco apresenta um discurso moderado.

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"Dizer que a Madeira é um offshore é puro desconhecimento ou demagogia política", defende Carlos Rodrigues, do PSD madeirense Rui Gaudêncio

Quando, no início de Abril Catarina Martins, à boleia das revelações dos Panama Papers, defendeu a extinção da "praça financeira da Madeira", Roberto Almada, coordenador do Bloco de Esquerda no arquipélago, traçou uma linha divisória entre o discurso nacional e regional.

"Quem fala pelo Bloco de Esquerda da Madeira sou eu", frisou. Uma declaração entretanto amenizada, mas que é reveladora da forma quase consensual como o Centro Internacional de Negócios da Madeira (CINM) é encarado pelas várias forças políticas regionais.

Mesmo o BE, que na Assembleia da República tem protagonizado as intervenções mais críticas sobre os offshores no geral e a zona franca em particular, tem, no parlamento regional, uma posição mais conciliadora, embora crítica sobre o modelo de gestão e a forma como são atribuídos os benefícios fiscais às empresas registadas no CINM. "O BE apoiará todos os regimes de benefícios fiscais para captação de empresas que criem postos de trabalho efectivos", explica Roberto Almada ao PÚBLICO, admitindo que existem diferenças, em Lisboa e no Funchal, no discurso do BE sobre a zona franca.

Mas, ressalva, no essencial, as posições são concordantes, assim como a desconfiança sobre a existência de abusos. "Não podemos admitir que existam empresas registadas na zona franca com apenas um trabalhador e com capital social de dois euros", exemplifica, anunciando que o BE irá entrar com um projecto na Assembleia Legislativa, exigindo a divulgação da lista completa de empresas sediadas no CINM e o nome dos respectivos trabalhadores.

Já o PSD lamenta os discursos que tem ouvido sobre a zona franca, principalmente da parte de pessoas com responsabilidade e formação. "Confesso que me faz muita confusão ouvir pessoas como o Dr. Francisco Louçã ou a Dra. Mariana Mortágua, que têm formação na área económica, falar do CINM", conta ao PÚBLICO o vice-presidente da bancada.

"A zona franca não é uma praça financeira, não é um offshore. É preciso que isto fique claro", vinca Carlos Rodrigues, lembrando que desde a aprovação do IV Regime de benefícios fiscais, que entrou em vigor em 2015, o CINM não tem, "nem pode ter", serviços financeiros associados. "Dizer que a Madeira é um offshore é puro desconhecimento ou demagogia política, mas prefiro acreditar que seja desconhecimento", acrescenta o deputado, que defende que os benefícios fiscais existentes na zona franca deveriam ser alargados a toda a região autónoma.

A Irlanda, argumenta, tem o IRC a 12%, e com isso capta investimento estrangeiro, e ninguém diz que aquele país é um offshore. "A Eslovénia chegou a ter o IRC a 0%, e ninguém levantou questões como as que são apontadas à Madeira", nota Carlos Rodrigues, rejeitando dúvidas sobre o funcionamento do centro. O IV Regime, aponta, obriga a que as empresas registadas criem postos de trabalho. "Basta olhar para o número de pessoas que integram a associação profissional do centro, que não representa todos os trabalhadores, para ver que as críticas sobre o emprego criado não fazem sentido."

Também o CDS considera a existência da zona franca como "nevrálgica" para a economia regional. "Estamos a falar de uma receita fiscal anual superior a 140 milhões de euros, sem contar com os impostos indirectos", contabiliza o líder do CDS, Lopes da Fonseca, sublinhando que o CINM é "escrutinado" quer pela União Europeia quer pela OCDE. "Não é um offshore, não se levantam questões de opacidade, é uma ferramenta de captação de investimento para a economia regional", afirma. Argumentos repetidos pelo JPP, a terceira força política na região.

"O CINM é balizado pelas instituições nacionais e comunitárias", diz o líder parlamentar do JPP, Élvio Sousa, admitindo que, tal como noutros sectores, possam existir abusos, como casos de empresas de fachada que não trazem benefícios para a Madeira.

Já o PCP é mais crítico sobre a existência da zona franca. Os comunistas sempre estiveram contra o CINM, mas têm optado por não abordar muito o tema, principalmente depois de o impasse negocial com Bruxelas — entre o fim do III regime de incentivos e a aprovação do IV — ter provocado um grande número de desempregados, devido ao abandono de muitas empresas da zona franca.

O tema não tem estado na agenda do PCP, mas Edgar Silva, confrontando pelo PÚBLICO, repesca o assunto. "É uma estratégia de desenvolvimento que não serviu à região", afirma, dizendo que entre os ganhos em receita fiscal e as perdas em apoios comunitários, o saldo é negativo para a Madeira. "Tem sido um obstáculo para a criação e atracção de empresas que pudessem trazer valor acrescentado para a economia madeirense, em termos de emprego e desenvolvimento", critica o dirigente comunista.

Visão diferente tem o PS. Carlos Pereira, presidente dos socialistas locais, não só defende a continuidade da zona franca como pretende que ela tenha maior abrangência. "A componente industrial não pode estar confinada ao Caniçal [local onde a zona franca está instalada]", diz, lamentando a forma como o CINM tem sido defendido junto da opinião pública. "A lógica da SDM [entidade privada que gere a zona franca] tem sido a da opacidade, e assim é difícil haver condições para defender o centro", acusa.

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