Vice-presidente angolano invocou cimeira quando pediu arquivamento de suspeitas

Pendência de inquérito constituía "um estigma, um constrangimento à participação" de Manuel Vicente no encontro bilateral, argumentou o advogado.

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Jornal de Angola reage ao processo judicial que envolve vice-presidente daquele país.

O advogado do vice-presidente angolano, Manuel Vicente, invocou junto das autoridades portuguesas a realização da cimeira bilateral entre aquele país e Portugal como um motivo válido para o arquivamento das suspeitas de branqueamento de capitais que sobre ele recaíram até há pouco tempo.

Arquivado há uma semana, o inquérito aberto pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) na sequência de denúncias apresentadas por um antigo embaixador daquele país teve como objectivo apurar a legalidade de transacções efectuadas em bancos e instituições financeiras portuguesas por várias figuras do regime angolano.

As contas bancárias de Manuel Vicente e também do governador da província de Kuando Kubango, Francisco Carneiro, chegaram a ser alvo de perícias financeiras realizadas por inspectores da Autoridade Tributária e Aduaneira, que colaboraram com o DCIAP, o mesmo tendo sucedido à Portmill, empresa de capitais angolanos que comprou 24 por cento do capital do Banco Espírito Santo Angola com ligações a oficiais afectos à Casa Militar da Presidência da República deste país. Quando decidiu encerrar este inquérito, o Ministério Público esclareceu que os suspeitos, todos representados pelo advogado Paulo Blanco, apresentaram às autoridades portuguesas “os elementos documentais de suporte das transacções financeiras detectadas nas suas contas bancárias”, tendo ainda “feito prova de rendimentos compatíveis com as operações” em causa.

Dois meses antes, em Setembro, estava então a primeira cimeira luso-angolana – entretanto adiada – agendada para dali a menos de um mês quando Paulo Blanco entrega um requerimento no DCIAP a solicitar o arquivamento das suspeitas sobre o seu cliente Manuel Vicente. Aí defende ser urgente e importante (as duas palavras surgem a negrito) o esclarecimento da situação processual do vice-presidente angolano, “face, designadamente, ao agendamento da primeira cimeira bilateral”, que constituirá “um marco histórico nas relações entre os dois países”.

O advogado insiste na “urgência e importância do esclarecimento da situação”, porque a pendência do inquérito “constitui um estigma, um constrangimento da respectiva participação na aprazada cimeira e nos trabalhos preparatórios inerentes à mesma verdadeiramente injustificado”. A realização do encontro bilateral com o inquérito ainda a correr poderia dar azo a nova onda de notícias negativas para o vice-presidente, alega o advogado, pedindo ao DCIAP que, em caso de não arquivamento, sejam pelo menos afastadas as suspeitas de branqueamento de capitais ou de qualquer outro crime cometido por Manuel Vicente. E foi recorrendo ao mesmo tipo de linguagem do advogado dos dirigentes angolanos que o procurador Paulo Gonçalves arquivou o processo. Num despacho quiçá irónico, e que lhe valeu já um inquérito disciplinar, o magistrado do Ministério Público fez votos de que a sua decisão de dar por finda a investigação pudesse contribuir para a realização de “cimeiras sem estigmas infundados”. O encontro bilateral continua, porém, sem data marcada, depois de ter sido adiado pelos governantes angolanos.
 
 

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