Tribunal de Contas sugere extinção de sociedades que gerem material bélico

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Tribunal também avaliou aquisição dos novos aviões C-295 Foto: João Henriques

"A Defloc não tinha, em 31 de Dezembro de 2011, qualquer trabalhador." A constatação - assumida na auditoria do Tribunal de Contas à Defloc (Locação de Equipamentos de Defesa) - de que uma entidade pública constituída há dez anos, criada para gerir milhões de euros, não tinha meios humanos próprios para exercer as suas funções causou surpresa entre os conselheiros que avaliaram a sociedade responsável pela negociação, acompanhamento, contratos de aquisição, locação, cessão de créditos e manutenção dos helicópteros EH-101. A própria Defloc reconheceu "não estar dotada de capacidades e autonomia própria em matérias financeiras".

E esse foi um dos sinais que levaram o Tribunal de Contas a sugerir a extinção deste tipo de entidades que estão sob a alçada da Empordef depois de denunciar a "falha de controlo", "descoordenação e ineficácia" na administração financeira da frota dos 10 aparelhos de busca e salvamento e outros dois para fiscalização das actividades de pesca.

Conselhos ao Governo

Na auditoria, o TC não o defende abertamente, antes aconselha os ministros das Finanças e Defesa a equacionar a hipótese. Nas recomendações finais, os conselheiros dirigem-se aos dois ministros para que "ponderem o interesse da subsistência de diversas entidades instrumentais utilizadas para aquisição e manutenção de equipamentos militares, que sendo detentoras de activos não exercem qualquer controlo efectivo, quer do seu uso, quer dos riscos e vantagens dos mesmos".

A sugestão, feita no mês passado, numa auditoria que detectou erros na gestão da manutenção dos helicópteros, exemplificada com facturação duplicada e omitida ao Ministério da Defesa, não é, contudo, uma novidade. Em Setembro de 2011, uma outra auditoria a uma sociedade irmã da Defloc - a Defaerloc (criada em Janeiro de 2006 para tratar da aquisição também por locação de 12 aeronaves de transporte C-295) - recomendava precisamente aos ministros da Defesa e Finanças que "ponder[ass]em o interesse na manutenção do actual quadro institucional, que serviu de suporte à aquisição e manutenção de equipamentos militares, centrado em sociedades-veículo na Empordef". A Defaerloc foi criada em Janeiro de 2006, quando Luís Amado era ministro da Defesa de José Sócrates.

Também neste processo o TC concluiu que a opção pela locação resultou num aumento de custos para o Estado: "Face ao preço das aeronaves (275 milhões de euros) a estimativa inicial de rendas a pagar (303 milhões de euros) representava um acréscimo de custos de 28 milhões de euros (+10%). Os valores agora apurados, decorrentes da alteração contratual (390 milhões de euros), representam um acréscimo de custos de 115 milhões de euros (+42%), ou seja, o equivalente ao preço de mais cinco aeronaves."

O PÚBLICO contactou o gabinete do ministro da Defesa sobre essas recomendações. A equipa de Aguiar-Branco optou, no entanto, por não acrescentar mais nada sobre a matéria a não ser que o ministro já havia feito -com a ordem de inquérito à Inspecção-Geral de Defesa - o que lhe competia.

Ainda assim, não parece que a sugestão do Tribunal de Contas venha a ter resultados. O actual Governo parece não ver utilidade em fechar aquelas sociedades. Isso mesmo transmitiu ao Tribunal de Contas, a propósito de uma outra auditoria do TC à Lei de Programação Militar. Nesse relatório, o TC indica ter recebido uma resposta do secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional sobre a recomendação de equacionar o encerramento da Defaerloc. "O secretário de Estado informou que não considera que a existência daquelas sociedades-veículo seja, actualmente, menos favorável do que o pagamento directo pelo Estado às entidades bancárias", pode ler-se. Ainda assim, segundo o documento, Braga Lino mostrou "atento e disponível" para avançar com "medidas" que levassem a reduzir encargos e simplificar processos.

O PÚBLICO falou com o ex-ministro Rui Pena, que tutelava a Defesa quando a Defloc foi criada. A escolha pela constituição de uma sociedade incumbida de gerir os contratos de locação é justificada pelo advogado com a falta de dinheiro no Estado. "Na altura não havia dinheiro e os helicópteros eram necessários", afirmou ao PÚBLICO antes de acrescentar que só avançou depois de uma decisão do Conselho de Ministros e após o Tribunal de Contas ter avalizado a operação. Sobre a falta de meios cedidos à Defloc para prosseguir a sua missão, Pena garante que não era bem assim. "A Defloc era uma sociedade-veículo da Empordef e beneficiava de toda a estrutura dessa entidade."

Questionado sobre o resultado prático dessa solução - erros que levaram a facturação duplicada e omitida - Pena lembra que a situação ocorreu já numa fase posterior à da aquisição, quando já não era ministro.

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