Parabéns, opostos

“Esquerda e direita” são a primeira — e a mais importante — distinção política da modernidade.

Deu-se há 225 anos uma descoberta (ou uma invenção?) importante: a distinção entre a esquerda e a direita como conceitos políticos.

A 5 de maio de 1789 , em Versalhes, o Rei Luís XVI de França declarou abertos os Estados Gerais — uma reunião da nobreza, do clero e do povo de França, convocada esporadicamente desde o século XIII — para debater o problema das suas dívidas. Os deputados do Terceiro Estado — do povo — tinham outras ideias. Embora fossem em maior número, e representassem muito mais gente do que os outros estados, tinham menos votos, e reuniam à parte dos outros estados — mas rebelaram-se. Chamaram a si mesmos “os comuns”, e quiseram reunir uma Assembleia Nacional com todos os representantes do reino, sem distinção de ordem e com votos iguais.

Para os impedir, o Rei fecha a sala de reuniões. Os “comuns” reúnem então no antigo recinto de um jogo semelhante ao ténis (sala do jogo da péla) e juram não se separar enquanto não dotarem a França de uma Constituição. Começava aí a Revolução Francesa.

A 9 de julho o rei cede e reúne-se pela primeira vez a Assembleia Nacional Constituinte. A 14 de julho de 1789, em Paris, a população revolta-se e toma a Bastilha, pondo uma pressão ainda maior sobre os constituintes, que continuavam reunidos em Versalhes, agora todos na mesma sala e votando de acordo com o princípio “um homem, um voto”. A 4 de agosto de 1789 é votada a abolição dos direitos feudais. O resto do mês é passado a discutir o que substituiria esse regime de desigualdade essencial que tinha durado séculos. A resposta foi: em vez de direitos só para alguns, direitos para todos. A 26 de agosto adotam-se os últimos artigos da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

A 28 de agosto de 1789 estava-se em plena discussão constitucional. O tema era se o Rei teria ou não direito de veto, o que poria em risco tudo o que a Assembleia aprovasse, incluindo os recém-adotados Direitos do Homem e do Cidadão.

Nesse dia, os deputados que eram contra o direito de veto do rei entraram na sala e juntaram-se espontaneamente à esquerda do presidente da sessão; os deputados que eram a favor do direito de veto do rei foram para o lado direito. Essa divisão foi notada nos próprios debates. A 11 de setembro de 1789, quando a Assembleia voltou a reunir para discutir o mesmo tema, os constituintes sentaram-se da mesma forma — e a distinção ficou até hoje.

Antes da esquerda e da direita, as linhas de divisão política passavam pela lealdade a uma dinastia ou a uma família feudal, ou a um soberano protestante ou católico, ultramontanos e regalistas, Plantagenetas e Valois, guelfos e gibelinos. Divisões que prolongam as linhas de uma desigualdade fundamental entre humanos. Não é por acaso que a esquerda e a direita nasceram quando acabaram os direitos feudais e se fez a primeira proclamação de direitos humanos.

“Esquerda e direita” são assim a primeira — e a mais importante — distinção política da modernidade. Evolutiva, flexível, dinâmica, é um sustentáculo da democracia e uma forma de entendermos os grandes debates públicos. Há quem pense que é a pior de todas as distinções políticas. Só se for, como diria Churchill, com exceção de todas as outras.

Sugerir correcção
Comentar