Marcelo já lamenta a liberdade que perdeu, mas à porta fechada

A despedida do Presidente eleito da Faculdade de Direito não foi solene, nem aparatosa. Memorável só mesmo este novo Marcelo Rebelo de Sousa, discreto, de poucas palavras, que quis dar uma “aula igual às outras” a uma semana da posse

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Imagens da última aula de Marcelo Rebelo de Sousa Enric Vives-Rubio
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Quase afónico, o professor de Direito Administrativo II chega acompanhado do corpo de segurança pessoal da PSP ao anfiteatro Paulo Cunha, da sua faculdade de sempre. À espera desta “última aula” de Marcelo Rebelo de Sousa está um batalhão de repórteres. Mas há um engano...

Desde logo, esta não é a “última” aula do Presidente eleito. Essa será, quando for, a sua aula de jubilação. Esta é a última aula que Marcelo dá aos seus 235 alunos de um semestre atípico. E Marcelo garante que esteve sempre pensada “para ser simples, igual às outras”.

O professor entra na sala e os alunos, como Paulo Ramos e Francisco Ferreira, estão de pé. Na mesa do professor, no estrado elevado, sentam-se os três assistentes da cadeira: Pedro Moniz Lopes, Francisco Pais Marques e David Duarte. Marcelo senta-se e as cadeiras de madeira dos alunos baixam, ruidosamente. Todos sentados, professor incluído, começam um interlúdio. “Combinámos com a comunicação social que há dois minutos para recolherem imagens”, anuncia Marcelo. A voz mal se ouve, mesmo amplificada pelo microfone. “Acordei afónico”, explica, depois de jurar o seu espanto pelo aparato. “Estava ontem em casa a ver televisão quando vejo anunciar que daria a minha última aula...”

O mal-entendido terminava aqui, com o fim dos dois minutos, e o regresso, à porta fechada, ao Direito Administrativo. Afinal, na última aula antes da posse do Presidente eleito já imperou o tom grave e discreto que costuma ser regra em Belém. Lacónico, apenas confirmou ter uma reunião agendada para esta quarta-feira com António Costa. O tema? “Veremos.” Confirmou também que não pretende mudar-se para o Palácio de Belém.   

O ex-secretário de Estado do anterior Governo, Pedro Lomba, não sabia do acontecimento. Mas ficou para assistir à despedida do seu colega e ex-professor. Recorda um episódio passado no seu tempo de aluno de Direito Constitucional e de Direitos Fundamentais. Uma vez, lembra, Marcelo tinha um livro para oferecer aos alunos. Resolveu, então, fazer uma pergunta. Quem acertasse levava o livro. Que austríaco foi secretário-geral das Nações Unidas? Pedro Lomba falhou na resposta, foi um colega seu que respondeu correctamente – Kurt Waldheim. Não tem dúvidas: “É um dos mais carismáticos professores da faculdade.” E acrescenta: “Para alunos do primeiro ano, por exemplo, tornava a matéria acessível com grande capacidade de comunicação.”

No fim desta última aula, os três colaboradores e assistentes de Marcelo sentam-se no bar da faculdade a lanchar. David Duarte, 49 anos, deverá ser o próximo regente da cadeira de Direito Administrativo. Conta que, nesta última aula, Marcelo falou da História da disciplina, cruzando-a com a sua própria experiência de vida. Essa segunda parte foi “mais pessoal”. “É uma pessoa absolutamente singular na vida da faculdade. Não há, não haverá nunca, ninguém como ele aqui na faculdade”, diz. E elogia-lhe, entre outras características, uma que considera não ser assim tão vulgar no meio académico do Direito – a abertura científica, o conviver bem com a crítica e com o debate. “A saída do professor da faculdade é péssima.”

Ao lado, o outro professor auxiliar, Pedro Moniz Lopes, e o assistente, Francisco Pais Marques, riem-se e sugerem-lhe que substitua a expressão “péssima” pela ideia de que sai alguém “insubstituível”. David Duarte encolhe os ombros, mas acrescenta acreditar que vai ser um “excelente Presidente da República”: “E nem entro em juízos comparativos”, diz, sorrindo.

Paulo Ramos, 22 anos, foi aluno de Marcelo no mestrado científico em Direito Administrativo, durante três meses. Lembra-se de, na última aula, em Dezembro, o professor lhes desejar bom ano. Tendo em conta, porém, as querelas entre a esquerda e a direita, optou por lhes dizer: “Desejo-vos a todos que comecem com o pé que entenderem ser o mais adequado.”

No anfiteatro Marcelo, num registo “comovente”, segundo uma aluna, lamentou a liberdade que se prepara para perder. E Francisco Ferreira acrescenta o exemplo dado pelo professor: agora vai deixar de poder conduzir.

Gonçalo Baptista, 19 anos, não esteve na última aula, mas foi seu aluno. Dá-nos uma pista subtil para o que aí vem, em forma de lema:  “A pior coisa que podia acontecer era ser o Professor Marcelo a fazer o teste. A segunda pior coisa era não ser ele a corrigir.”

 

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