Há mais partidos: insatisfação dos cidadãos ou vitalidade democrática?

Em círculos eleitorais onde concorram, pelo menos, 20 candidaturas, os boletins de voto aumentam de tamanho: passam para 35,5 centímetros de comprimento, um pouco mais do que uma comum folha A4.

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Politólogos dizem que aumento do número de partidos se deve à “erosão” da esquerda e as facções que dentro dela surgem Nuno Ferreira Santos

Os especialistas dividem-se. Há quem veja no surgimento de novos partidos um sinal de “vitalidade democrática”, mas também quem argumente que, na base disso, está a insatisfação do eleitorado. Entre as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975, e as últimas legislativas, em 2011, o número de partidos que entraram na corrida oscilou entre os 11 e os 17. Este ano a lista, no Tribunal Constitucional (TC), é a mais longa de sempre. Para já são 22 os partidos inscritos, aptos a participarem no próximo sufrágio. Há mais dois em vias de se legalizarem. Mesmo com duas coligações conhecidas, o número deverá ser superior a 20.

Até o Presidente da República fixar e fazer publicar em Diário da República a data das eleições, os partidos registados até aí podem concorrer às eleições. Os politólogos estão atentos às dinâmicas que o aumento de formações pode provocar. “Partidos como o PDR, o Livre e o PAN poderão eleger deputados e o parlamento pode ter um número de partidos representados maior. Se é bom ou mau, isso é o eterno dilema em democracia entre governabilidade e representatividade, dilema que nenhuma democracia consegue resolver perfeitamente”, diz Carlos Jalali.
 
A politóloga Marina Costa Lobo não está certa de que vá haver grandes mudanças: “Haverá alguma dispersão de votos, mas não tanta como o número absoluto de partidos nos faz acreditar. Alguns partidos poderão somar poucos votos.” Mesmo a abstenção, sublinha, não tem descido por causa do surgimento de novos partidos.

Já para o director-geral da Administração Eleitoral, Jorge Miguéis, a multiplicação de partidos “pode representar uma vitalidade, um refrescamento da democracia”, embora também “alguma clivagem nos partidos tradicionais”. Mas, mesmo nos casos em que os partidos surjam de cisões de outros já existentes, Jorge Miguéis considera que é sempre um bom sinal: “As alternativas fazem-se através da constituição de novos partidos.”

Uma das razões apontadas por Marina Costa Lobo para o aumento do número de partidos é a insatisfação dos cidadãos. É esse descontentamento que abre “espaço” a novos partidos. Jalali corrobora: “Alguns constituem-se como alternativas aos partidos dominantes, porque parece emergir a percepção de que o eleitorado está mais insatisfeito e disponível.” Os dois politólogos encaixam o Partido Democrático Republicano (PDR), de Marinho e Pinto, neste grupo dos que querem captar o eleitorado desiludido. Porém, aponta Marina Costa Lobo, apesar de algumas excepções, os eleitores em Portugal “têm sido bastante reticentes em relação aos novos partidos”. “Há uma desconfiança nata e forte em relação aos partidos políticos, que um partido, mesmo novo, tem dificuldade em ultrapassar. Como pode fazê-lo? Com uma liderança forte”, defende.

A outra razão apontada por ambos os politólogos para o surgimento de novos partidos relaciona-se com a “erosão” da esquerda e as facções que dentro dela surgem, diz Marina Costa Lobo. Jalali corrobora e dá como exemplo o Movimento Alternativa Socialista que surge de uma cisão com o BE. 

Tanto Jorge Miguéis como Jalali ressalvam, no entanto, que o facto de os partidos estarem inscritos no TC não significa que todos concorram às eleições. “Há um efeito cumulativo do número de partidos. Mesmo que não concorram, não saem [da lista] do TC. E às vezes temos mais partidos listados no TC do que aqueles que concorrem. Mas certamente haverá mais partidos nestas eleições, porque têm sido criados mais partidos nos últimos anos”, diz Jalali.

Nos círculos eleitorais nos quais se apresentarem, por exemplo, 20 partidos, Jorge Miguéis adianta que os boletins terão 35,5 cm de comprimento. Ou seja, ligeiramente maiores do que uma folha A4, mas mais finos. “Aumenta o papel a gastar, mas não aumenta muito a despesa a efectuar”, nota.

No que toca ao apuramento de resultados, o aumento do número de partidos “vai dar mais trabalho às mesas de voto e ao Ministério da Administração Interna”, adianta também Jorge Miguéis que admite ainda que, caso não haja alterações à lei de cobertura eleitoral, esse aumento também terá implicações no trabalho da comunicação social.

Ainda assim, defende Jorge Miguéis, o que a lei diz é que acontecimentos de igual importância devem ter igual tratamento, o que não significa que se tem de se dar o mesmo tratamento “a uma iniciativa de um partido que vai distribuir panfletos para a porta de uma fábrica” e a um comício que arraste milhares de pessoas para uma praça.

A polémica lei de cobertura das campanhas eleitorais, e a interpretação que dela faz a Comissão Nacional de Eleições (CNE), foi, mais uma vez, criticada pelo Presidente da República, durante a viagem que à Noruega, no dia 3. “Penso que em Portugal é a lei mais anacrónica que existe”, afirmou Cavaco Silva.

O Presidente da República lançou um desafio a Passos Coelho e à maioria parlamentar. “Quando fui primeiro-ministro encontrei uma lei anacrónica, a da reforma agrária. E mudei-a, contra toda a contestação. Se, nessa altura, a CNE tivesse feito o que faz agora, eu tinha-a mudado. Não tinha medo.”

Carlos Jalali lamenta que se chegue a esta altura, anos depois de a polémica ter estalado, sem uma solução. “Chegar aqui com este debate por resolver não é um bom sinal. É verdade que os pequenos partidos têm desvantagem em termos de visibilidade, mas há soluções para vão para além desta lei”, afirma. com Paulo Pena

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