Que devemos temer: o envelhecimento ou um “Governo de vândalos”?

Num encontro promovido por 19 sindicatos, da CGTP, da UGT e independentes, falou-se de pensões. A conversa foi animada, a discussão acesa. Houve palmas para um ex-ministro, gargalhadas e muitos gráficos. Só não foi permitida a “cavaqueira”

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CGPT , UGT e independentes juntaram-se pela primeira vez para debater a Segurança Social

O auditório está cheio. No início de tarde cinzento deste sábado, 5, mais de 200 pessoas juntam-se no Camões, velho liceu lisboeta, e o título da conferência não é nenhum blockbuster: “A questão das pensões”, assim se chama, contra as regras da propaganda, o acontecimento.

Quem se senta, pouco depois das três da tarde, naquele anfiteatro renovado, não entra numa maçadora exposição de números e estatísticas. O encontro é, por si só, uma novidade. Tal como o PÚBLICO noticiou, na segunda-feira, 31, esta é a primeira vez que os sindicatos das duas centrais se organizam, autonomamente, para debater um tema político. Aqui estão representantes de alguns dos maiores sindicatos da CGTP, como o dos Professores da Grande Lisboa, membros da Comissão Executiva da central, como Carlos Trindade, lado a lado com sindicalistas da UGT, dos Transportes e das Comunicações. É uma plateia diversa, com trabalhadores têxteis, médicos, pescadores, estivadores, e trabalhadores do fisco.

A conversa é ruidosa, a ponto de Ulisses Garrido, o moderador da tarde, ex-dirigente da CGTP, que actualmente dirige a  formação no Instituto Sindical Europeu, pedir para que termine “a cavaqueira”. Há uma indignação irónica nas vozes que lhe respondem: “Cavaqueira é que não! Quanto muito tabaqueira.”

Na mesa sentam-se economistas. O primeiro a falar é José António Vieira da Silva, ex-ministro do PS, autor da última grande reforma da Segurança Social. As suas primeiras palavras são de saudação “a esta iniciativa inédita e pioneira”. Depois, o deputado socialista olha para o computador portátil que tem à sua frente, e começa a mostrar os slides que preparou, guardados numa pen.

Vieira da Silva diz várias coisas de esquerda – diria Nani Moreti, realizador italiano, se lá estivesse. “Não é possível conciliar austeridade e Estado Social”, resume. Defende que “as pensões têm um papel importante na correcção das desigualdades” e ilustra com um dado: “A taxa de pobreza tem vindo a cair”, graças à Segurança Social. Porém, nos últimos tempos, continua Vieira da Silva, “Passos Coelho tem dito uma coisa e o seu contrário, ora que o nosso sistema é muito generoso, ora que é ineficaz. Era bom que ele se entendesse…” Porque, garante o ex-ministro, a Segurança Social portuguesa “não é um sistema generoso, nem ineficaz”, e atrás de si projecta comparações com os restantes países europeus que atestam a sua conclusão.

Criticando “todos os cortes que estão a ser feitos e os que se preparam”, sobretudo pelo “efeito claramente recessivo” que a diminuição das pensões tem na economia, Vieira da Silva rejeita também a solução do “plafonamento”, sugerida pelo Governo no seu guião para a reforma do Estado. “É uma solução injusta e financeiramente impossível”, declara. Os sindicalistas aplaudem-no.

Como aplaudem, agora, o economista José Luís Albuquerque, que integrou o Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério liderado por Vieira da Silva. Citando o ministro Pedro Mota Soares, e os seus anúncios de “medidas para que as mães possam ficar em casa”, este economista, critica: “Qualquer medida deste tipo afasta ainda mais as mulheres da igualdade no mercado de trabalho”. “Muito bem”, ouve-se na sala. Este especialista corrobora muitos dos números avançados pelo deputado socialista, sobretudo os que comprovam que “em Portugal não haveria um problema de sustentabilidade financeira”, a longo prazo, de acordo com as previsões da União Europeia para 2050.

Todos os convidados falam da célebre “conspiração grisalha”. Albuquerque refere o “recorde negativo” que foi haver apenas 90 mil nascimentos, em 2012. E Vieira da Silva enfatizou: “É um risco desvalorizar o desafio demográfico”. Pedro Nogueira Ramos, também ele economista, catedrático da Universidade de Coimbra, desmontou esse “risco”, com muito humor à mistura.

“A ideia de que o envelhecimento da população põe em risco a Segurança Social é o malthusianismo dos nossos dias.” Explicação: o aumento da produtividade compensa o envelhecimento, e o cenário “catastrófico” é, ainda assim, relativo… “A população em idade de trabalhar será, em 2060, igual à que existia em 1950. O que é anormal não são esses 44%, são os 57% que temos hoje.” Segundo as suas contas, “um crescimento da produtividade de 0,49% compensa o efeito do envelhecimento da população” nas contas da Segurança Social. E essa meta é difícil? “No período 2002-2013, que foi muito mau para a nossa economia, a produtividade cresceu 1% ao ano…” Logo, conclui, “o sistema é sustentável”.

Mas há riscos, assegura. Três, para sermos precisos: “Se a nossa economia colapsar, a Segurança Social não será sustentável.” Aqui, fez-se silêncio na sala. O economista continuou. “Se vier a existir um Governo de vândalos que resolva desmantelar a Segurança Social, e tiver força política para isso, aí o sistema será desmantelado.” Risos. “Se as gerações futuras não quiserem pagar, também não acredito na sustentabilidade do sistema”. Novo silêncio.

No final, o moderador, Ulisses Garrido, garante que discorda de Nogueira Ramos “apenas num ponto: o Governo de vândalos já existe.” Mais risos.

O final aproxima-se, mas este encontro de sindicatos pode repetir-se. A única certeza, quanto a isso, é que no próximo dia 16 serão reveladas as conclusões desta conferência.

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