Marcelo e Trump no país das presidenciais

Comparar Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump pode parecer excessivo mas, mesmo tendo presente as fortes diferenças de personalidade, a verdade é que são ambos produto de uma nova política em que as celebridades procuram ser eleitas presidentes.

Donald Trump é excessivo e radical nos seus comentários procurando agradar à direita e aos conservadores americanos, Marcelo Rebelo de Sousa é ambíguo e procura agradar à direita, centro e esquerda portuguesas.

Não poderiam ser mais diferentes, certo? Errado, pois, embora com posicionamentos políticos diferentes, escolheram ambos a mesma via para tentar ganhar eleições para presidente.

Mesmo na gestão da sua saída de celebridades com ligação aos canais televisivos NBC e TVI há muitas semelhanças, pois, ambos os candidatos prolongaram a sua presença até ao limite do anúncio da candidatura presidencial.

Em Fevereiro de 2015 Trump revelou que não estava preparado para assinar pela 15ª vez com a NBC pelo show "The Apprentice". No entanto, só em Junho se viu desvinculado do canal, quando a própria NBC anunciou que não iria renovar com Trump, devido a declarações políticas feitas na própria apresentação da sua candidatura.

No caso de Marcelo, o abandono da televisão enquanto comentador deu-se também quase em simultâneo com a apresentação da candidatura, em Outubro de 2015, mas não ocorreu devido à uma quebra no relacionamento com o canal televisivo TVI.

Ambos Trump e Marcelo são hoje celebridades televisivas porque souberam canalizar a excelência profissional adquirida fora dos ecrãs, um no direito e outro nos negócios, para ganhar espaços de presença televisiva regular, transformando-se primeiro em celebridades e depois usando esse estatuto para abrir uma estrada para candidaturas presidenciais.

Não há nada de errado nessa estratégia, nem nesse percurso, chama-se "política através dos media" e é uma forma corrente de fazer política, estudada e analisada em múltiplos artigos científicos.

Trata-se de uma forma de fazer política, centrada na criação de empatia para com as audiências, com o objectivo de criar uma situação de ganhos mútuos, em que as empresas televisivas ganham audiências e receitas e a celebridade cria uma marca que pode depois usar em seu favor.

A marca "Trump", tal como a marca "Marcelo", valem em primeiro lugar a possibilidade de converter pontos de audiências em moedas, sejam elas dólares ou euros, isto é, tal como qualquer programa de televisão, estão dependentes da capacidade de conseguir agradar à população ou a uma faixa dela para conseguir gerar receitas para os canais.

Mas essas marcas valem também para as próprias celebridades, os seus donos, porque lhes fornecem a capacidade de livremente investir noutros campos de interesse pessoal.

Se tudo isto parece normal no caso das estrelas, sejam eles actores, músicos ou futebolistas como o CR7, a questão já não é tão clara quando se trata de, eventualmente, segurar votos em caso de uma posterior candidatura, como acontece com as marcas de celebridades como "Marcelo" ou "Trump". 

Se é possível defender o posicionamento de estrelas como Cristiano Ronaldo (e da sua marca "CR7") apropriando a sua excelência futebolística para ganhar dinheiro, será possível fazer a defesa do mesmo raciocínio para o uso das marcas “Marcelo” e “Trump” para potenciar sondagens e votos em celebridades como Marcelo Rebelo de Sousa e Donald Trump?

A resposta é que depende da percepção que as audiências tiverem sobre a compatibilidade entre a atitude do candidato e a atitude e a imagem que têm da celebridade.

Por exemplo, a imagem da marca "Trump" é a de alguém que diz e faz o que for necessário para triunfar sem limites. Por outro lado, a imagem da marca "Marcelo" é a de alguém que tudo sabe e que pretende agradar sem limites.

Daí, que a discussão sobre se a celebridade "Marcelo" havia já decidido ser candidato, muitos meses antes do anúncio público da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, seja relevante - pois, ao contrário da celebridade "Marcelo" a celebridade "Trump" havia deixado no ar em 2004 e 2012 que poderia vir a ser candidato presidencial enquanto mantinha a sua presença regular televisiva. 

Por exemplo, sabemos hoje que há uma enorme diferença entre as referências noticiosas em lugar de destaque feitas na comunicação social a Marcelo Rebelo de Sousa no ano de 2015 quando comparadas com o sucedido no ano anterior.

Na "política através dos media" quanto mais celebridade mediática se é, maior é o impacto no número de destaques como candidato, ou seja, a notoriedade pré-existente à qualidade de candidato cria tração para depois aumentar o número de notícias como candidato.

Dado que a maioria das notícias envolvendo Marcelo Rebelo de Sousa, nesses dois anos, são baseadas em afirmações suas enquanto comentador (e que entre  2014 e 2015 houve um aumento de 300% desses destaques) fica a dúvida sobre se aquilo a que se assistiu foi produto do contexto do ano de 2015 ou de uma estratégia da celebridade "Marcelo" para aumentar ao máximo a sua notoriedade afim de atingir o pico da atenção no momento da sua candidatura.

A pergunta que fica é se essa presença exagerada da marca “Marcelo” na comunicação social em 2015 foi produto da "normalidade da agenda" ou da "criação da agenda pela própria celebridade".  Esta é uma dúvida que não pode ser esclarecida na sua totalidade em função dos dados hoje disponíveis, mas porque há implicações políticas na resposta é necessário fazer esta pergunta.

No entanto, é importante ter presente que não são os jornalistas, ou os meios de comunicação social, que criam intencionalmente essa disparidade, pois ela é produto da rotina criada pela celebridade e pela preponderância das audiências na gestão da rotina das redacções. Com menos jornalistas e redacções mais pequenas, há hoje uma dificuldade acrescida em corrigir rotinas que os próprios jornalistas veem como prejudiciais.

Se não compreendermos as novas dinâmicas accionadas pelos “candidatos-celebridade” correremos o risco de colocar em causa a própria credibilidade do sector da comunicação social, como um todo, e do seu papel de manutenção da própria normalidade eleitoral.

Por outro lado, se não conseguirmos alertar os próprios “candidatos-celebridade” para a necessidade de perceberem os impactos produzidos pelas suas estratégias mediáticas individuais, também eles não serão capazes de antecipar os potenciais perigos que estão a criar para o próprio sistema democrático onde apresentam este tipo de candidaturas.

Tenhamos simpatia ou antipatia, votemos ou não votemos em Marcelo Rebelo de Sousa, ele é o Donald Trump das presidenciais portuguesas, no sentido em que é um candidato que antes de o ser politicamente já era uma celebridade televisiva.

Não há qualquer problema ou questão em termos no boletim de voto de 24 de Janeiro, e no boletim da segunda volta, candidatos a Presidente da República que começaram celebridades.

No entanto, temos de entender quais as lógicas em acção quando essas candidaturas de celebridades se manifestam, sob pena de não compreendermos como será o futuro em que iremos votar para os próximos cinco anos, já que será um futuro político diário e não um futuro de convívio apenas aos domingos.

Acima de tudo, todos os candidatos e todos os eleitores devem lembrar-se que a democracia não é votar num candidato porque ele é conhecido ou nos é simpático, mas sim porque se escolhe alguém que por ideias e actos se opõe a outros candidatos.

Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris

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