Joaquim Aquele Sr Dr do TC Sousa Ribeiro

Para quem não se recorda, a palavra mais comprida da língua portuguesa (excepto uma ou outra doença impronunciável) é “anticonstitucio-nalissimamente”. Demora vários meses a soletrar, como qualquer decisão urgente do Tribunal Constitucional. Queriam o quê, batatinhas?

Ninguém nasce preparado para ser órgão de soberania num país onde só é respeitado aquele que decide a nosso favor (e enquanto o fizer).

Mas é indesmentível: um Sousa Ribeiro é nome de juiz-conselheiro. Está-lhe no sangue, desde bebé, a terrível tarefa. Mais tarde, com o cabelo grisalho, a barba aparada e uns óculos magistralmente judiciais, ficará bem em qualquer tribuna.

Mas vivemos em estado de excepção há mais de dois anos. Qualquer coisa se excepcionaliza em Portugal e todos os dias, a todas as horas, milhões de portugueses debatem o fenómeno de haver um homem que, não sendo realmente conhecido (quantos sabem o seu nome?), é por todos lembrado. E, não sendo político, faz girar a política à sua volta. Portugal, troika, futuro da Europa, tudo cai nos ombros de uns 12 ou 13 apóstolos secos de batina preta aos folhos que vivem fechados no Palácio Ratton (o nome parece o próximo filme de Natal da Disney: ratinhos espertos contra vilões liberais que querem mergulhar o mundo no caos e na pobreza).

O que é que o Tribunal Constitucional, pela figura do seu presidente, vai decidir sobre as 40 horas semanais, em vez de 35, na função pública? Bom, essa já está, levaram 7 a 6 e, de repente, o Tribunal Constitucional voltou a estar vendido ao Governo. Na próxima ocasião, transforma-se num órgão esquerdista-comunista-bolchevista ao decidir sobre cortes nas pensões de mortos e de vivos. E o Governo, entre risadas e lamentos, será “obrigado” a aumentar os impostos outra vez.

E, como qualquer criança com fome porque não tomou o pequeno-almoço se interrogará facilmente, espera-se também o acórdão sobre a proporcionalidade do lado subjectivo do interesse público quando confrontado com o ordenamento jurídico preexistente que consubstancia um real retrocesso em direitos historicamente e constitucionalmente credenciado na sua forma abstracta e indeterminada, e por falar nisso será que vamos ter dinheiro para o bacalhau da Consoada? Quem é que pressiona mais o tribunal? As batatas serão cozidas ou a murro?

Tantas perguntas para um ser humano (nascido no Porto em 1946) que fez a promessa de exercer as suas competências normalmente. É o que Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro Juiz-Conselheiro quer, desde que tomou posse em Outubro de 2012. No fundo, cumpre a vocação dura de árbitro em que se iniciou desde os tempos de escola. Em todos os campos da vida.

No liceu onde estudou, ainda se comenta o dia em que a turma de Sousa Ribeiro jogou contra uma turma de alemães que visitava o Porto e o jovem Quim se ofereceu para arbitrar o jogo. Para grande espanto da ala ultraliberal e filiada na austeridade da equipa portuguesa (futuros deputados do PSD e CDS), Sousa Ribeiro julgou com imparcialidade e segundo as regras. Resultado: a certa altura, para espanto de todos, os alemães não estavam a dominar completamente o jogo. A falta de respeito foi considerada ofensiva pelos portugueses, que começaram a jogar ainda pior e tudo fizeram para perder, metendo golos na própria baliza, indo mais além da vontade dos “nossos credores”. Finalmente desesperados, os portugueses “bons alunos” pararam o jogo e mudaram as regras do futebol. Retroactivamente, passou a ser permitido aos alemães meter golo em fora-de-jogo, rasteirar por trás e apanhar a bola com a mão dentro da área. Quando Sousa Ribeiro contestou a alteração, os seus compatriotas tentaram expulsá-los por “protestos” contra o árbitro, que era Sousa Ribeiro...

Mais tarde, no dia do seu casamento, Sousa Ribeiro descobriu na conservatória que, afinal, havia mais uma taxa e uma sobretaxa e uma multa adicional a pagar, ainda por cima sujeitas a coima por prescrição da data do último aviso de dez dias úteis para saldar a dívida (documento que nunca chegara a receber, são coisas que acontecem). Mas não é Sousa Ribeiro quem quer, mas quem pode. As taxas foram consideradas desproporcionadas e não sujeitas à satisfação do bem público. O noivo não esteve com meias medidas e, usando os seus conhecimentos de Ciências Jurídico-Civilísticas (desde a Universidade de Coimbra), Sousa Ribeiro exarou um acórdão inesperado: casou-se a si próprio. E condenou o funcionário que o aborreceu a só se reformar aos 90 anos, antecipando o futuro de todos trabalhadores da administração pública, em convergência com os privados. E depois riu-se, coisa que em Sousa Ribeiro nunca se viu.

O momento mais alto da carreira do presidente do Tribunal Constitucional está no entanto por chegar. E com ele vai mudar o mundo. Vários sectores da Igreja Católica, da Opus Dei e do jornal O Diabo, assim como o Governo PSD-CDS em peso, incluindo o ministro de Estado Paulo Portas e a Virgem Santíssima, Américo Amorim (parabéns ao rico n.º1 outra vez) e um Cavaco Silva que acordou virado para questões sociais quando lhe tocaram na pensão preparam o pedido de fiscalização preventiva da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. É aquela em que o Papa Francisco diz do actual capitalismo o que Maomé não disse do toucinho. Francisco admite que a “nova tirania” económica vai gerar violência.

“O Tribunal Constitucional deverá”, espera este grupo de cidadãos, “considerar ilegítima mais uma deriva soarista radical do Santo Padre".

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