Cartas à Directora

Os inocentes

É estranho verificar que todos ou, pelo menos, a maioria dos senhores e senhoras que têm prestado declarações à comissão parlamentar que tenta compreender as razões que terão levado ao inesperado colapso do BES, se manifestem ignorantes ou desmemoriados.

Eles não se lembram, eles não sabiam… porque se soubessem! Ah, caraças, se eles soubessem das falcatruas e das manigâncias que, não se sabe quem, andava a tramar, teriam agido em conformidade, cortando rente a cabeçorra do monstro. Sim, porque, apesar da ingenuidade que manifestam, são, invariavelmente, pessoas de bem que estavam empenhadas em cumprir beatificamente as sagradas funções de que foram investidas.

Esta gente está a brincar com a nossa inteligência. Querem fazer o povo passar por burro? Como justificam os ordenados principescos e os bónus recebidos ao cair de cada ano? A menos que fossem pagos por serem idiotas, ninguém acredita que desconhecessem a magnitude dos buracos nas contas que agora sugam os nossos impostos para dentro da pança da banca não-nacionalizada. Mas talvez seja isso.

Talvez os gestores da banca sejam escolhidos de acordo com o seu grau de imbecilidade. Talvez a capacidade para acreditar em contos infantis seja o critério decisivo na cooptação dos tais CEO ou lá como se designam esses seres vivos. Não quero crer que seja pelo grau de desonestidade que são escolhidos, prefiro acreditar que são, de facto, ignorantes e crédulos, pessoas fáceis de enganar. A ser assim posso dormir descansado pensando que, coitaditos, os gestores da banca são apenas uma cambada de carneiros sacrificados no altar da alta finança. Seres inocentes que merecem a nossa compaixão e um sorriso benevolente.

Um dia saberemos quem os enganou. Ou não.

Rui Silvares, Cova da Piedade

Clima eleitoral

Aproximam-se as eleições, tudo servindo para puxar a brasa à sua sardinha e deitar a poeira possível aos olhos opositores, sem grande respeito pela verdade profunda.

Assim, antecipou-se o pagamento duma prestação aos credores e logo isso foi usado para demonstrar que o país está no bom caminho.

E, para ajudar, o alemão Schäuble, da mesma cor política, explicou que Portugal evidencia que a via da austeridade está afinal certa. Claro, sobretudo com os nossos elevados juros a entrarem nos cofres alemães!

Omitem, contudo, o essencial: o país empobreceu, há 2 milhões de pessoas a passarem fome, o desemprego é elevadíssimo, a dívida não reduziu, os índices de escolaridade, de saúde e prestações sociais baixaram muito. Essa, a realidade crua.

Dela tem, porém, melhor consciência o presidente Juncker, que sucedeu a Durão Barroso e acaba de reconhecer os erros da troika, que atentou, disse, contra a dignidade dos povos periféricos.

António Catita,  Lisboa

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