Cartas à Directora

A presunção, o cidadão e a corrupção

Não deixa de ser curioso que sejam os políticos aqueles que mais se indignem e se queixem com as leis que fazem quando as mesmas são aplicadas a si próprios. Infelizmente, o cidadão comum todos os dias é perseguido por leis iníquas feitas pelos nossos políticos sem que ninguém se comova.

Ninguém está acima da lei. A lei é igual para todos. Vivemos num estado de direito. Mas basta a lei cair no prato de Paulo Pedroso ou de José Sócrates para tudo mudar de figura. Ninguém quer provar as leis que cozinhou. As leis são boas para serem servidas ao cidadão comum, não para repasto do cozinheiro. Quando o cozinheiro tem de provar as leis que ele próprio fez, todos aqueles que enchem a boca de que vivemos num estado de direito clamam em uníssono de que é urgente alterar as leis da prisão preventiva, do inquérito, do segredo de justiça e sabe-se lá mais do quê. 

Até hoje não vi ainda nenhum jornalista, político ou comentador preocupar-se com a presunção de inocência, a duração da prisão preventiva ou o segredo de justiça, nos processos do Palito, do Zé da Esquina e do Zarolho. Ou será que estes não fazem parte daqueles “todos” para quem a lei devia ser igual?

Além disso, os nossos políticos ainda têm uma enorme vantagem sobre o cidadão comum: é que são eles que fazem as leis que punem os crimes que praticam. É, por essa razão, que o crime de corrupção é praticamente impossível de provar, a não ser por confissão. E é precisamente para garantir o pacto de silêncio dos corruptos que a lei portuguesa é extremamente penalizadora para quem confessa. Os políticos não brincam em serviço… Compreendo, pois, que cause estranheza no meio que um político seja preso preventivamente indiciado pelo crime de corrupção. Corrupção?!... Mas isso é impossível de provar!...

A lei portuguesa sobre a corrupção é extremamente fácil de compreender através de uma anedota. O marido (o procurador) estava convencido de que a mulher (o corrupto passivo) o andava a enganar com outro homem (o corrupto activo). Pediu, então, a um amigo (o polícia) para seguir a mulher. O amigo assim fez e veio contar-lhe o que viu. A mulher, acompanhada por um homem, entrou num quarto de um motel. Ele espreitou pelo buraco da fechadura e viu-os despirem-se e meterem-se na cama. A partir daqui já não conseguiu ver mais nada porque eles apagaram a luz. Perguntou-lhe o marido ansioso: “Mas não os viste fazer amor?”. “Não, não vi, eles apagaram a luz”. “Bolas”, clama o marido, “a eterna dúvida.”

A lei portuguesa também exige o mesmo grau de certeza no crime de corrupção. Daí que toda a gente tenha a certeza onde a justiça, por força da lei, é obrigada a ter eternas dúvidas. 

Santana-Maia Leonardo, Abrantes

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