Cartas à directora

Asfixia “democrática” (ou “democracia” asfixiada)

Com uma guarda pretoriana na comunicação comercial, digo, “social”, de “comentadores” “coligo-politólogos” e de “missionários” que, nas “missas” vespertinas de sábados e domingos, lhe repetem o sermão dos quatro anos a purificar a alma com “resiliências” para, com as respectivas “indulgências”, obtermos o “paraíso” de quatro anos (ou mais…, talvez eterno) de “bem-aventuranças”, o Governo, digo, a “Coligação”, quase não precisa de debates televisivos para nada.

E, por isso, manda às malvas a Lei 72-A/2015, de 23 de Julho, que os próprios PSD e CDS votaram na AR.

Fingindo esquecer-se que, para efeito dessa lei, é (é?) não dois partidos mas uma “candidatura” (é o termo utilizado na lei), arranja(m) agora uma birrenta desculpa muito (pseudo) democrática para, “fazendo-se de morta”, não debater pública, leal e legalmente as suas propostas políticas e as das outras candidaturas.

Isto é “política(quice)” e não Política, com maiúscula.

Mas — atenção! em Política (e não só…), sempre, mas sempre, é melhor debater propostas ainda que não se votem do que votar propostas ainda que não se debatam.

Quando não, as cabinas de voto só servem para nos “asfixiar” a (in)consciência do apoio ou da rejeição a estas ou aquelas propostas políticas. Ainda que muito “democraticamente”, claro.

João Fraga de Oliveira, Santa Cruz da Trapa

Tempestade de Verão ou conto de fadas

Uma tempestade de Verão é sempre localizada, imprevista, assustadora, rápida e, não poucas vezes, danosa. A borrasca [foi] lançada por Paulo Rangel ao elogiar, na Universidade de Verão do PSD, o pretenso ataque sério e consistente feito nos últimos tempos à corrupção e à promiscuidade, de modo a trazer para o espaço da discussão política a natureza das investigações a Sócrates e a Ricardo Salgado. Isto é, elas só existirão porque, explica na sua crónica semanal do PÚBLICO, a magistratura vive “imersa” numa “cultura” e num “ambiente” que a “influencia”. O “ar respirável” que agora viveremos deve-se ao programa de ajustamento que criou o clima de “moralização”, à atitude de Passos Coelho de “reserva e neutralidade” e ao desanuviamento da ministra da Justiça pontuando o seu ministério pelo acento “na autonomia da investigação e da independência judicial”.

As tempestades de Verão assemelham-se às narrativas da literatura fantástica pelo ambiente, imprevisibilidade, terror e danos associados, porém estas estão centradas em elementos não existentes ou não reconhecidos na realidade. A moralização trazida pelo ajustamento embica na subalternização do poder político face ao poder económico, no aumento da concentração da riqueza, na fractura social e na degradação dos sectores básicos e fundamentais, entre eles a justiça. A reserva e a neutralidade do primeiro-ministro embicam nos seus ataques ao Tribunal Constitucional. A autonomia da investigação esbarra na diminuição dos funcionários, em menos tribunais e num sistema informático caótico.

Esta narrativa fantástica, de heróis reconhecidos, tem um propósito, está perfeitamente localizada e transporta a pretensa moralidade dos contos de fada, o ódio a Sócrates e ao banqueiro imoral, para supostamente, no fim, os heróis se casarem e subirem ao trono.

José Alegre Mesquita, Carrazeda de Ansiães

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