A destruição de valor

Em democracia, a existência de governo não se justifica por si mesma.

Sem origem divina nem princípio dinástico, o governo democrático não é auto-evidente: ele depende da sua capacidade de defender a comunidade.

Em poucas situações isso é tão óbvio como no momento em que é necessário impedir a destruição de valor. Que diríamos perante um governo que encolhesse os ombros perante uma catástrofe em qualquer área dissesse “não podemos fazer nada”, não disponibilizando os meios necessários para a combater? Diríamos que tal governo era inútil e que passaríamos melhor sem ele.

Na economia, porém, há uma escola de pensamento que diz precisamente isso mesmo de cada vez que há destruição de valor: “é o mercado”, alegam, “não há nada que possamos fazer”. Infelizmente, em Portugal temos um governo desse tipo.

Essa atitude é notória perante o que se está a passar com a PT. O governo reconheceu, através do seu ministro da economia, que estamos a assistir a uma destruição de valor de contornos épicos. E, no entanto, o mesmo ministro da economia age como se nada houvesse a fazer, limitando-se a desejar que outra “gestão privada” inicie um novo ciclo na PT.

***

Como todos sabemos, a PT não está a perder valor por ter algo de errado com os seus clientes, a sua infraestrutura ou o seu negócio principal. Está a perdê-lo por ser arrastada na derrocada do Banco Espírito Santo, que era seu acionista, e que a levou a conceder um avultado empréstimo, que se revelou ruinoso, a uma empresa do Grupo Espírito Santo. É por isso que a PT se arrisca agora a ser comprada por preço de saldo, por um investidor de fiabilidade desconhecida, e de um momento para o outro.

Como todos sabemos também, o valor que a PT está a perder não é só da empresa. É do país, que a empresa transportou até no nome. E dos portugueses, que contribuíram durante gerações para criar esse valor. É por isso que o governo não pode olhar impávido para essa destruição de valor, como não o pode fazer perante nenhuma destruição de valor no perímetro da sua ação.

Uma das razões por que o governo decide não agir é da ordem do preconceito contra as nacionalizações. Ora, não querer nunca nacionalizar, em qualquer situação, é tão fundamentalista quanto querer sempre nacionalizar tudo. Vários argumentos aconselham a que se olhe para essa opção (que foi ontem avançada politicamente por Bloco de Esquerda e PCP), ou outra equivalente, com espírito pragmático.

Em primeiro lugar, compraríamos uma empresa que não tem só dívidas e problemas. Ao contrário dos bancos que fomos forçados a nacionalizar, às claras ou encapotadamente, a Portugal Telecom tem um historial de inovação, uma ligação à sociedade e uma estratégia internacional que valem por si, independentemente dos erros da “gestão privada” que o ministro gostaria simplesmente de substituir por outra. É verdade que há em Portugal outras empresas da mesma área competentes, mas também elas beneficiaram da concorrência com a PT, e continuariam a beneficiar.

Por outro lado, a PT está barata e vale bem mais do que o preço que darão agora por ela. Por uma vez, talvez fizéssemos um bom negócio.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários