Uma aplicação móvel para a detecção automática da traça-da-uva e da cigarrinha-verde na vinha
Do projecto de investigação EyesOnTraps — Fraunhofer, GeoDouro e ADVID — resultou uma app para detectar automaticamente as duas pragas. Numa versão premium da solução, haverá outras funcionalidades.
Imagine o leitor que um viticultor duriense encontra, numa armadilha tradicional, na sua vinha, 500 traças-da-uva, que tem de as contar manualmente e que, sem saber de que insecto se trata, tem de pegar na taça com a feromona diluída e deslocar-se a Vila Real para a mostrar a técnicos especializados... Moroso, já para não dizer impossível, não é? É isso ou ter em cada quinta gente que saiba identificar pragas.
No projecto EyesOnTraps, o centro de investigação aplicada Fraunhofer Portugal, a empresa GeoDouro e a Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID) desenvolveram uma solução que permite detectar automaticamente a presença da traça-da-uva e da cigarrinha-verde — para já, apenas estas duas pragas, por serem as que actualmente provocam maiores prejuízos nas vinhas do Douro —, e que, na sua “versão light”, custará apenas cinco euros.
Essa versão é uma aplicação móvel, paga por descarregamento e por praga, ou seja, uma só vez, e que começará a ser comercializada em 2024. Basta ter um smartphone, não é necessário perceber de fotografia — a app verifica se a armadilha cabe toda na imagem e se esta está focada e ainda a enquadra — e não é preciso deitar fora as armadilhas convencionais — já existem armadilhas instrumentadas, mas são mais caras e assim multiplicam-se os pontos de monitorização para o viticultor.
Trata-se de "uma ferramenta de apoio à monitorização, que permite detectar quando as pragas começam a incidir na cultura e quando elas são mais perigosas, no pico dos voos", com o objectivo de ajudar os viticultores a "tomarem decisões atempadas", explica o responsável pelo Departamento de Investigação e Desenvolvimento da GeoDouro, Telmo Nogueira. No Douro, a traça-da-uva faz quatro voos por campanha, com três picos antes da vindima e um depois. Para a cigarrinha-verde, que curiosamente atacou em força este ano as vinhas da região, com particular incidência no Douro Superior, ainda não há este tipo de informação.
O projecto arrancou em Setembro de 2019 e “os primeiros trabalhos" foram entrevistar especialistas e viticultores e "criar uma base de dados de imagens dos dois tipos de armadilhas” comummente usadas para capturar e monitorizar a traça-da-uva (a armadilha delta) e a cigarrinha-verde (a cromotrópica), explica Telmo Nogueira. O passo seguinte, conta o responsável, foi colocar “os especialistas, neste caso os técnicos da ADVID, a fazerem uma anotação através de uma ferramenta que foi desenvolvida pela Fraunhofer, o anotador online”. Para quê? Para que agora, com a app a funcionar, fosse possível devolver imediatamente uma “pré-anotação” ao viticultor que está no terreno. Essa primeira resposta pode, depois, ser validada por especialistas no site do projecto. Essa ferramenta permitiu treinar os algoritmos, numa primeira fase, e no futuro, com uma utilização cada mais generalizada, permitirá melhorá-los.
“Até ao final do projecto [Novembro de 2022], no total, tivemos 168 imagens de armadilhas e 9000 anotações de insectos. Na campanha a seguir, já com os viticultores a utilizar, recolhemos mais de 300 imagens”, nota Luís Rosado, investigador do Fraunhofer, doutor em Engenharia Biomédica e especializado em Visão Computacional e Inteligência Artificial. Esse "treinamento dos algoritmos" foi, inicialmente, feito em quintas de três stakeholders, Sogrape, Ramos Pinto e Sogevinus, e numa fase posterior alargado às propriedades da Quinta de Ventozelo e a Menin Wine Company, abrangendo um universo de cerca de 30 utilizadores.
Na versão premium, o EyesOnTraps vai bem para além da detecção através da app. “A aplicação funciona em modo offline e [só] quando sincronizamos a informação é que esta vai para o portal web. E, na versão premium, esse portal web dá acesso a um conjunto alargado de funcionalidades: um visualizador desses dados [das armadilhas], os dados de sensores integrados que também desenvolvemos no âmbito do projecto e informação das seis estações que a ADVID tem em parcelas de referência no Douro e das estações do IPMA [Instituto Português do Mar e da Atmosfera], que são 199 a nível nacional e que também temos integradas”, explica Telmo Nogueira.
A ferramenta online com tudo integrado terá uma subscrição anual, a começar nos 300 euros — esse valor estará sempre relacionado “com o número de armadilhas que cada agricultor vai monitorizar."
Há ainda a possibilidade de acrescentar à solução os tais sensores propriamente ditos, os que foram desenvolvidos durante o projecto e que são para instalar próximo da armadilha tradicional. “O objectivo foi desenvolver um sensor que pudesse ser instalado junto da armadilha. É uma miniestação, se quiser. Na prática, o sensor é um add-on, que os viticultores e as empresas podem subscrever ou não”, nota Telmo Nogueira. É revestido por um escudo que o protege da radiação e temperaturas elevadas e tem bateria para um ano.
Em 2024, ainda não será possível comercializar este sensor, porque falta "o player que o produzirá em escala", explica Luís Rosado, cuja expectativa é que, "numa fase de produtização", o custo desta solução ronde os 30 euros por unidade.
O projecto EyesOnTraps custou 410.000 euros e foi co-financiado em cerca de 290.000 euros pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER) do Portugal 2020. Na prática, esta ferramenta é mais um módulo do SIGP – Sistema Integrado de Gestão de Propriedades, que a GeoDouro começou a desenvolver em 2013.