“A imagem é tudo”, defende o cronista Alexandre Pais, num polémico artigo de opinião, onde compara várias apresentadoras da televisão portuguesa, defendendo a necessidade de uma “silhueta perfeita”. A opinião gerou polémica e é uma afronta a todas as mulheres, em especial às mais jovens, defende Catarina Furtado, uma das visadas da crónica. “Não se reduzem os homens à imagem, por que continuamos a reduzir as mulheres a isso?”, questiona, em conversa com o PÚBLICO.
A embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População (UNFPA) lamenta que não exista um enquadramento legal a proibir o tipo de opinião como a veiculada pelo cronista do Correio da Manhã, que, alerta, não deve ser confundida com liberdade de expressão. “A população mais discriminada é a das raparigas e mulheres”, lembra, evocando a experiência de 21 anos de trabalho humanitário.
Ao percorrer escolas de todo o país para falar da igualdade de género e dos direitos humanos, conta receber dezenas de desabafos de jovens com problemas de saúde mental relacionados com a imagem. “Na minha altura também nos comparávamos com outras raparigas, mas não era permanente. Agora, esta comparação é amplificada pelas redes sociais”, lamenta.
Estar a comparar mulheres, como foi feito, “tem uma pegada nociva gigante” nas jovens que lêem sobre o tema nas redes sociais, preocupa-se. É, por esse motivo, que acha imperativo trabalhar-se o tema da sororidade entre as mulheres. “Fiz o meu posicionamento sobre o tema porque acho que é um exemplo de como nos temos de proteger umas às outras.”
Na publicação de Instagram, Catarina Furtado deixa uma palavra às colegas visadas pela crónica — Maria Botelho Moniz e Cristina Ferreira. Questionada pelo PÚBLICO sobre o tema, Maria Botelho Moniz não quis prestar declarações e ainda não se pronunciou publicamente sobre o texto de Alexandre Pais.
Em causa, estava a imagem corporal de várias apresentadoras da TVI e da RTP. Catarina Furtado diz não ser hipócrita e defende a sua posição quanto à saúde: “Acho que não é possível estar obesa e estar bem da saúde física e mental. Vejo o cuidado com o corpo como parte integrante da minha saúde mental.” E sente ser sua responsabilidade passar uma imagem de saúde. “Encaro a minha profissão como uma extensão da minha condição de cidadã, de mulher, de mãe e de activista.”
Mas esta posição, reforça, não legitima quaisquer críticas que possam ser feitas ao corpo de uma mulher. “Quando atingimos alguém que está todos os dias na televisão, estamos a atingir todas as outras mulheres”, assevera.
Além disso, lembra, a imagem corporal não é algo que possa ser comparado entre pares, nem barómetro do talento de alguém: “O que é comparável são os gostos, a maneira de comunicar, as escolhas de carreira. Tudo isso pode ser alvo de comparações e é normal que seja, porque estamos expostas.”
Longe da aceitação corporal
Tecer tais comparações, só reforça a ideia de que ainda há caminho a percorrer para a aceitação corporal. “Há uma maior consciência, maior aceitação e, acima de tudo, mais inclusão, mas estamos longe de ter uma juventude livre desta escravidão. As raparigas ficam encostadas entre a espada e a parede”, lamenta Catarina Furtado.
É também esta maior consciência que refere a coach de empoderamento feminino Catarina Corujo, observando que “as novas gerações já não absorvem tanto a falta de empatia alheia”. Essa autoconfiança, reforça a autora de Bem Me Quero, é fundamental para sejam adultos capazes de “reconhecer o seu valor para além do corpo”.
Contudo, Catarina Corujo duvida que deixemos de viver “na ditadura da beleza”: “Vão continuar a existir pessoas que criticam duramente o corpo alheio, inferiorizando alguém apenas para se sentirem bem consigo mesmas, mas não nos esqueçamos de que temos em nós o poder de escolher como reagimos ao ruído exterior.”
O artigo de opinião publicado neste fim-de-semana, acredita, só vem “reforçar a urgência da representatividade corporal” na comunicação social. “A objectificação e sexualização da mulher já não é o que move a sociedade, mas é o que a empobrece”, declara,
Quando se fala deste tema, a psicóloga Joana Gentil Martins, especialista em auto-estima, evoca um exemplo: “Costumo pedir para as pessoas reflectirem se o mundo fosse cego, e não existissem critérios visuais, como é que definiríamos as pessoas? Não seria pelo seu interior?”
Ao reduzimos o sucesso de alguém à sua imagem, “perpetuamos a ideia de que um certo tipo de corpo não é merecedor de coisas boas”, impactando a auto-estima e confiança não só dessas pessoas, como de quem lê essas afirmações, avisa a especialista. “Há uma máxima que devemos considerar quando nos dirigimos a alguém: se não tem nada agradável para dizer, então não diga”, reforça.
Qualquer comparação “será sempre injusta”, porque “as pessoas não são comparáveis”. Mas Joana Gentil Martins, à semelhança de Catarina Furtado e Catarina Corujo, também coloca a tónica na reacção e no significado dado a estas situações.
Para minimizar o impacto das comparações, a psicóloga recomenda alguns gestos que ajudam a melhorar a relação com o corpo e a fortalecer a auto-estima. Por exemplo, pode começar por um exercício simples, como listar todas as coisas que o corpo nos permite fazer, como caminhar, respirar ou comer, diz, lembrando a importância da autocompaixão, em vez da autocrítica. “Faça elogios a si mesmo ou aos outros que não dependam do corpo”, propõe.
E como a comparação é constante, pode ser importante fazer uma desintoxicação das redes sociais, “que consiste em seguir apenas conteúdo positivo, que inspire e que faça sentir-se bem consigo”. Sem medos, restrinja as contas que não causam bem-estar. Por fim, lembre-se que “pedir ajuda não é um acto de fraqueza, mas de amor-próprio e de saúde”.