António Duarte queria construir dez casas de bambu na região de Bago, na Birmânia, e oferecê-las a quem não tivesse onde viver. A ideia era inovadora mas, há um ano, não passava disso mesmo — uma ideia. Até que o arquitecto, em conjunto com o arquitecto francês Raphaël Ascoli e com o especialista em construção de bambu birmanês Kyaw Zin Latt, criou o projecto Housing Now e um crowdfunding para o erguer.
Em poucos meses, conseguiram 8600 dólares (7900 euros), o suficiente para construírem seis casas em bambu com 12 metros quadrados cada uma. Além de apostarem num material que não era utilizado para este propósito, o preço das habitações cifra-se nos 1100 dólares, cerca de 1015 euros, ou seja, pelo mesmo preço de um Samsung Galaxy S23.
“Neste momento, dessas unidades, conseguimos construir três. Mas noutros projectos paralelos já construímos nove”, começa por explicar ao P3 o arquitecto António Duarte.
À medida que a equipa foi construindo as primeiras casas, apercebeu-se de que doar as habitações a quem precisasse não era tão simples quanto parecia ao início. A Birmânia vive uma guerra civil e, por causa disso, a habitação digna é um desafio. Oferecer uma casa a uma família e deixar o resto da comunidade sem nenhuma desencadearia problemas. Por isso, o Housing Now encontrou nas organizações não-governamentais (ONG) locais a solução para localizar as pessoas numa situação mais vulnerável. A Medical Action Myanmar, a Sonne International e, mais recentemente, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) são alguns dos parceiros no local.
À medida que estabelecem estes contactos, percorrem o país, passando por bairros de lata e zonas de difícil acesso, onde é quase impossível projectar uma casa. Para fazer face à complexidade que encontrou, a equipa foi crescendo e passou a incluir também trabalhadores sociais que conhecem melhor as necessidades da população.
Construíram casas, ergueram uma creche e um orfanato para 30 crianças, obra que António recorda como “a mais desafiante”. “Quando projectámos estas casas como sendo um sistema modular, pensámos que podia funcionar com uma unidade, duas ou quatro. Com quatro unidades, chegamos a perto de 80 metros quadrados, que foi o que conseguimos fazer neste orfanato”, conta. Tudo isto em pouco mais de quatro dias de trabalho e por 3878 euros.
Além da rapidez da construção, a forma como estas habitações são pensadas também é especial: cada estrutura é criada a partir de pequenos pedaços de bambu entrelaçados que garantem segurança e resistência. “Funcionam quase como uma estrutura muscular. Quando há uma quebra, ao invés de a casa se tornar mais fraca, torna-se mais forte”, completa.
Estes alicerces começam a ganhar forma no centro de produção da Housing Now e, dois dias depois, seguem para o terreno onde vive a família para a obra ser terminada. Tal como em qualquer outra construção, os proprietários também participam “e escolhem os materiais para terem a sensação de pertença ou de afecto real pelo sítio onde vão morar”. Normalmente, adianta o arquitecto, preferem que o chão e as paredes sejam de bambu e o telhado de chapa metálica, para ficarem protegidos das tempestades.
Quanto ao bambu, o facto de ser uma planta não significa que não seja um material duradouro. Neste caso, leva um tratamento que garante “uma durabilidade entre seis e oito anos”, e a equipa está a testar novos processos para garantir que dure mais tempo.
Próximas casas: Madagáscar
Mas entre construir casas com o que resta dos 8600 dólares do crowdfunding, oferecê-las à população e pagar aos funcionários da Housing Now, é fácil perceber que o projecto não é ainda rentável do ponto de vista financeiro.
Ainda assim, o arquitecto prefere ver o lado positivo e opta por lhe chamar “um projecto viável” de uma empresa social que depende de bolsas e prémios de inovação para começar novas construções, como o MIT Solve Climate: Ecosystems + Housing, que, em Julho de 2022, lhes garantiu uma bolsa de 35 mil dólares.
“Além disto, temos a questão do reconhecimento, e isso muda um pouco o jogo. Começamos a ter acesso à rede do MIT, temos contactos e reuniões com um grupo grande, que são uma espécie de mentores e com equipas anteriores”, adianta. Paralelamente, também permitiu angariar novos clientes para o atelier dos três arquitectos, o Blue Temple, e, com os lucros, voltam a investir nas casas de bambu.
Construir mais habitações destas na Birmânia e comprar um terreno para um novo centro de produção são os próximos objectivos da equipa, que também reconhece que trabalhar enquanto decorre uma guerra civil e com cortes de electricidade que podem durar 12 horas complica as metas.
O projecto também tem captado o interesse de ONG de países como Filipinas, Sri Lanka e Burkina Faso, mas Madagáscar foi, por enquanto, o segundo país que escolheram para ampliar o projecto. “Neste caso, vamos construir com o sistema de viga e pilar, que pode ser feito em qualquer lado onde há bambu e não é preciso uma complexidade tão grande. É só chegar, ver onde há bambu, cortar e começar a construir”, explica o arquitecto.
As casas na Birmânia também vão continuar a existir e, em relação ao Housing Now, António e a equipa acreditam que a empresa se vai tornar num “laboratório global de habitação acessível” que ensinará outros a construir com bambu.
“Temos muitas ideias, mas temos de ir passo a passo. Primeiro é construir as casas todas do crowdfunding e depois vemos para onde vamos”, conclui.