Laura fez um livro sobre o gato com que viveu 17 anos: “Quando estamos em baixo, os animais estão sempre lá”

Em História de um Gato, Laura Agustí recorda e ilustra todos os animais que passaram pela sua vida — especialmente Oye, o gato com que viveu 17 anos e que passava as noites a passear por Barcelona.

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Laura Agustí e Oye Sandra Rojo,Sandra Rojo

Laura Agustí sempre viveu rodeada de animais. Em criança, no jardim da casa dos avós na província espanhola de Teruel, havia gatos, cães, ouriços, coelhos (que iam parar à panela sem que se apercebesse) e até duas tartarugas. Brincava com os bichos-de-conta, apanhava moscas para depois as fechar dentro de rolos fotográficos e tocava nos olhos dos caracóis “para os incomodar”, mas sem nunca ser “capaz de os provar” quando a avó os cozinhava, conta nas primeiras páginas do livro História de Um Gato.

Foi uma infância semelhante à da personagem de animação Heidi e, tal como ela, Laura afastou-se dos animais quando saiu do campo para ir para a cidade estudar Belas-Artes.

Aos 23 anos, adoptou o gato com que viveu durante 17: Oye (“ouve”, em português), nome escolhido para aumentar as probabilidades de o siamês cumprir ordens, mas que nunca surtiu efeito. A relação entre os dois “tornou-se um nó”, era muito íntima, mas ainda assim o gato nunca deixou de ser livre e passar as noites a passear por Barcelona.

A história desta relação deu um livro, que chegou no final do ano passado às bancas portuguesas pela mão da Leya. Pretexto para uma conversa com a escritora, pintora e ilustradora que desde logo se assume, tal como o pintor Andy Warhol, uma crazy cat lover contemporânea, ao ponto de os ter tatuado na pele.

Mas este livro, que conta com ilustrações da autora, não é apenas sobre a vida de Oye. Fala também sobre o facto de estes animais serem adorados como se fossem deuses no Antigo Egipto ou símbolos de sorte na China, de viverem em museus na Rússia ou de serem tão invulgares como panteras na Grécia Antiga. Tudo isto combinado com momentos da relação de Laura com o seu gato — que nunca gostou de receber carícias de visitas, nem de novos companheiros de casa (como o cão Crasti).

Oye morreu em 2020 depois de ter sido diagnosticado com insuficiência renal. História de Um Gato é também uma ajuda para lidar com o luto — com ilustrações que prometem despertar o interesse de quem até nem gosta muito de gatos.

Neste livro, começa por falar da sua infância com vários animais, depois da universidade quando não podia ter nenhum e termina na sua vida adulta com o gato Oye. Porque não começar por ele?
Para que as pessoas compreendessem porque é que tenho este amor pelos animais. Estou sempre rodeada deles desde criança e é importante para mim tê-los perto. Era importante contar a minha história com o Oye que, afinal, é um pouco a história de todos os animais que passaram pela minha vida. Mas também quis incluir páginas de interesses que tive ao longo da vida, conforme ia estando com animais. Quando não os podia ter nos apartamentos em que estava, procurava-os na arte porque era isso que estava a estudar.

Quando adoptei o Oye, procurei na Internet como adaptar a casa para ele. Quando tive o cão do meu ex-namorado, o Crasti, fui à procura da mesma coisa, por isso para mim era importante misturar estes dois guias — a história pessoal e autobiográfica com todas as coisas que me suscitaram interesse ao longo da vida.

Fazer isto é também uma forma de cativar os leitores que não gostam tanto de gatos?
[Risos] Sim, também é um bocado para isso. Tenho muitas pessoas que me perguntam: “Alguém que não gosta ou não tem gatos consegue gostar deste livro?” Eu respondo que sim, porque não estou apenas a falar de gatos, também estou a falar de cães, da relação entre a pessoa e o seu animal de estimação. Não importa se é um gato, um cão ou um periquito.

Mas, se conviveu com tantos animais, porquê escrever sobre gatos?
Porque sempre me fascinaram. Quando era pequena, havia sempre gatos e cães em minha casa, mas os gatos sempre me atraíram muito. Acho que é pela mistura entre a beleza e o carácter que têm.
O Oye foi o que esteve comigo durante 17 anos. As duas gatas que tenho agora [Señora e Petrusca] também são especiais para mim, mas o Oye foi o animal que me acompanhou. Tenho tatuagens de todas as pessoas que perdi, dos meus avós, de um amigo. Era importante para mim ter também uma dele.

No livro, diz que os gatos têm inspirado artistas de todo o mundo e que no Antigo Egipto eram considerados encarnações de deuses. Também adorava este gato como se fosse um deus?
Completamente. Ele viveu como quis. Era tratado como um deus, sobretudo quando ficou doente e eu tinha de cuidar dele o tempo todo. Portanto, sim, um pouco. Foi o meu deus.

Também dá conselhos sobre a convivência entre gatos e entre gatos e cães. Seguiu algum?
Sim. A minha primeira experiência foi tentar trazer outro gato para casa, mas não correu bem, apesar de ter procurado informação e tentar que funcionasse. Com o Crasti correu melhor. As duas gatas que tenho agora já as trouxe juntas. É importante que a pessoa se informe para fazer bem as coisas porque são vidas que entram na nossa casa. Há coisas que temos de ter em conta.

Diz que, durante o tempo em que Oye viveu consigo, sentiu que ele cuidava mais da Laura do que o contrário. Porquê?
Porque, quando estamos sobrecarregados ou em baixo, os animais estão sempre lá para nós. Eles não se queixam nem se vão embora. Por exemplo, quando o Oye morreu, o meu cão ajudou-me a sair de casa para mudar um pouco de ares.

Descobriu que Oye estava doente dois anos antes de o ter perdido. Conseguiu preparar-se para o luto?
Bem, em parte, o livro é um bocadinho a minha forma de superar a dor, mas não estamos preparados para nenhuma perda. Sabemos que vai acontecer, mas nunca estamos preparados.

Foi difícil escrever este livro?
Sim, foi muito difícil. O meu primeiro livro [Gatos na Cabeça] tinha muito pouco texto, era como se fosse um diário e um pouco dos meus pensamentos. Este livro foi um desafio porque tive de o estruturar do princípio ao fim e foi algo que nunca tinha feito antes. Nunca tinha contado nem escrito uma história, por isso, sim, foi difícil. O mais difícil foi escrever a parte do fim da vida do Oye e acabei por deixar isso para o fim. Escrevia e desenhava tudo, mas deixava sempre essa parte para o fim.

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Algumas das ilustrações de Laura no livro Laura Agustí

Antes de resgatar as duas gatas, esteve numa luta entre querer ter mais animais, mas não querer passar novamente pela perda. Quando é que decidiu que tinha chegado o momento de ter outro animal?
Acho que cada pessoa tem o momento em que o sente, mas no meu caso foi quando o meu ex-companheiro me deixou ficar com o Crasti durante algum tempo. Enquanto ele esteve comigo, eu não queria levar outros gatos para casa porque ele me dava afecto. Mas, assim que o meu ex-parceiro foi viver a 500 quilómetros de distância, decidi que era altura de começar a procurar [ter outro animal]. Não sei como viver sem um animal por perto. Dizer isto pode ser estranho, mas para mim não é.

“Não sei quanto tempo demorarei a deixar de ouvir os movimentos imaginários na caixa de areia a meio da noite ou o som das patas. Também não sei se quero que isto passe”, diz no livro. Continua a ouvir tudo isto?
É difícil, é realmente difícil. Mesmo agora, a Señora senta-se no lugar onde o Oye se sentava sempre e ainda é difícil para mim vê-la lá. Há coisas que não sei se alguma vez vou esquecer e, por enquanto, tenho-as muito presentes.

A Laura também recorda o momento em que foi buscar as gatas ao abrigo e escreve que a Petrusca é o oposto do que a atrai nestes animais: é barulhenta, desgrenhada. Porque é que a trouxe para casa?
Acho que a trouxe porque a vi muito mal no abrigo. Estava muito subnutrida e nem sequer a puderam vacinar de tão magra que estava. Tive muita pena dela e pensei: “Vou levá-la.” Foi uma decisão rápida. Também não pensei que talvez a pudesse perder muito em breve, mas agora já penso nisso, porque a Petrusca já tem 11 anos e estes gatos não duram muito tempo. Não estou preparada para a perder, mas, como já passei por isso com o Oye, acho que vou saber lidar melhor. A Petrusca é uma gata muito querida.

E continua a utilizar o bidé em vez da caixa de areia?
Todos os dias. É uma gata especial. Quando está a dormir, não se mexe até me ouvir na cozinha. Se ouvir os talheres, levanta-se logo. Acho que os gatos de rua têm sempre muita fome.
A Señora é uma senhora, é uma felina como deve ser: salta e não faz barulho, enquanto a Petrusca tem de subir para uma cadeira para se sentar à mesa.

Teria sido capaz de escrever este livro se não tivesse vivido com animais desde criança, e especialmente com o Oye?
Acho que não. Eles fizeram parte da minha vida desde o início. Se não os tivesse tido, não desenharia o que desenho hoje. Afinal de contas, tudo o que faço são desenhos de animais e natureza.

Podemos ter outro livro sobre a história destas duas gatas?
Não sei. Pode ser que sim. Elas estão muito presentes nas minhas redes sociais e estamos sempre juntas. Tenho uma ideia em mente, mas está mais associada à Petrusca. Vamos ver.

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