Possível alvo terapêutico para doença de Alzheimer identificado por equipa de Coimbra

Foto
As investigadoras Ana Teresa Viegas e Ana Luísa Cardoso Paulo Amaral

Uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) descobriu “um possível novo alvo terapêutico para a doença de Alzheimer”, que poderá representar “um passo importante para o tratamento” dessa doença neurodegenerativa.

A investigação procurou micro-ARN (“pequenas sequências genéticas com um papel regulador nas células”) que fossem “possíveis alvos terapêuticos inovadores para a doença de Alzheimer, tendo filtrado o micro-ARN-31 como alvo promissor para este tipo de estratégias”, afirmou a UC esta terça-feira em comunicado de imprensa.

Desenvolvido por uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) da UC, o estudo já foi publicado na revista científica Molecular Therapy - Nucleic Acids.

Actualmente sem terapias eficazes, a doença de Alzheimer é “um dos maiores problemas de saúde mundial, tendo um grande impacto económico e social”, sublinha a UC. A doença caracteriza-se pela progressiva degeneração e morte dos neurónios, especialmente na zona do hipocampo, a região do cérebro responsável pela formação e consolidação de memórias. Pensa-se que a perda de função dos neurónios desta região estará na base da perda de memória observada na doença. 

Este trabalho teve como objectivo principal estudar se seria possível obter, através da modulação de um micro-ARN específico, um efeito benéfico num modelo animal da doença de Alzheimer. “Queríamos observar se aumentar os níveis do micro-ARN-31 – já identificado em quantidades mais baixas no plasma de doentes, comparando com pessoas saudáveis da mesma idade –​ traria benefícios relevantes não só no que diz respeito às características histopatológicas da doença, como ao nível das alterações comportamentais características da patologia”, afirma Ana Luísa Cardoso, coordenadora do projecto.

Para avaliar os efeitos benéficos do micro-ARN-31, os especialistas recorreram a um modelo animal de ratinho para o estudo da doença de Alzheimer, utilizando apenas fêmeas.

“Após injecção de um vírus geneticamente modificado que forçasse a expressão do micro-ARN-31, foram avaliados marcadores da doença, como a acumulação de placas de beta-amilóide (aglomerados tóxicos de um peptídeo, característicos da doença) no cérebro dos animais, assim como a perda de função neuronal na zona do hipocampo”, explicita o comunicado.

Também foram realizados ensaios comportamentais, para aferir se o micro-ARN-31 poderia prevenir a perda de memória associada à doença de Alzheimer.

“Uma das principais fases deste estudo focou-se no desenvolvimento de uma estratégia lentiviral, ou seja, uma ferramenta de expressão de um vírus, capaz de entregar o micro-ARN-31 aos neurónios e passível de ser entregue no cérebro do modelo animal da doença de Alzheimer”, explica por sua vez Ana Teresa Viegas, primeira autora do estudo, citada no comunicado. 

“Posteriormente, quisemos avaliar a deposição de placas de beta-amilóide, a função neuronal e o comportamento dos animais após a injecção do micro-ARN, e avaliar se existiam melhorias quando comparado com animais não tratados com a sequência genética”, adianta Ana Teresa Viegas.

“Observámos que a expressão deste micro-ARN no hipocampo dos animais levava a uma diminuição da deposição de placas de beta-amilóide, especialmente na zona do subículo – pequena área do hipocampo responsável pela memória de trabalho”, destaca a investigadora. “Comparando com os animais não tratados, os animais que receberam o micro-ARN-31 apresentavam menores défices neste tipo de memória, que é recrutada em tarefas simples do dia-a-dia, não implicando vários processos de aprendizagem.” Simultaneamente, os investigadores observaram “menores níveis de ansiedade e de inflexibilidade cognitiva – características observadas nos humanos em fases iniciais da doença”, acrescenta Ana Teresa Viegas.

A opção de realizar o estudo em modelos animais fêmeas pretendeu “mostrar a relevância de se focarem alguns estudos de doenças neurodegenerativas no sexo feminino, porque, especialmente no caso da doença de Alzheimer, esta é mais prevalente em mulheres, e a grande maioria dos estudos é ou foi feita em animais machos, ignorando possíveis diferenças entre sexos”, refere Ana Luísa Cardoso.

Na próxima fase do estudo, a equipa vai, designadamente, procurar compreender como a utilização deste micro-ARN-31 poderá ser útil para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas para outras doenças neurodegenerativas.

O estudo foi financiado pelo Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder), Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), Bial e programa de acções Marie Curie e contou ainda com a participação de Vítor Carmona, Elisabete Ferreiro, Joana Guedes, Pedro Cunha, Ana Maria Cardoso, Luís Pereira de Almeida, Catarina Resende de Oliveira e João Peça  também investigadores do CNC  e com João Pedro de Magalhães, investigador da Universidade de Liverpool, Reino Unido.