Ana Cabecinha ou a arte de esperar

Portuguesa foi quarta nos 20km marcha em Pequim, num dia em que Dafne Schippers bateu o recorde europeu das velocistas da RDA.

Foto
Wang Zhao/AFP

O sétimo dia dos Mundiais de atletismo de Pequim foi como os anteriores: cheio de novidades. Mas desta vez foi dado um passo que ninguém ousaria antecipar. A holandesa Dafne Schippers ganhou os 200m femininos — e isso já seria uma novidade interessante —, mas o mais espantoso é que o fez com 21,63s, e assim superou o recorde europeu que vinha dos anos 1970 e 1980, estabelecido pelas velocistas da RDA. Uma verdadeira “bomba” atlética como há muito não ocorria. Porém, o dia começou com a final feminina de 20km marcha, e nela Ana Cabecinha alcançaria a melhor posição num campeonato global, o quarto lugar.

A alentejana, a residir há muito no Algarve, fez uma prova inteligente, mostrando que sabia esperar pelo seu momento, e capitalizou o facto de a Rússia nem sequer uma atleta ter enviado a esta prova, que tem dominado por larga margem desde a sua introdução em Mundiais. Desde o início que foi a melhor das três portuguesas, andando pelo sétimo e depois sexto lugares, enquanto na frente as chinesas Liu Hong, a nova recordista mundial, e Lu Xiuzhi se destacavam desde início, revezando-se no comando e alcançando grande diferença para as perseguidoras.

Atrás ficaram na perseguição as italianas Eleonora Giorgi e Elisa Rigaudo, e a ucraniana Lyudmila Olyanovska, enquanto Ana Cabecinha mantinha vantagem sobre a terceira transalpina, Antonella Palmisano. Olyanovska conseguiu fugir às italianas mais para diante, para se isolar num terceiro lugar que manteria até à meta, e estas depois viriam a ser desclassificadas por marcha irregular. Palmisano, entretanto, apanhou a portuguesa, mas Ana voltou a fugir-lhe e, desta maneira, entrou no estádio olímpico, onde tinha sido oitava nos Jogos de 2008, agora no quarto lugar, com 1h29m29s.

Na frente, Hong Liu vencia a competição com o mesmo tempo de Lu Xiuzhi (1h27m45s) e, quanto às outras portuguesas em acção, Inês Henriques caiu bastante na parte final, vindo a acabar a dois lugares de Vera Santos (21.ª, com 1h34m01s), com 1h34m47s.

Recta final demolidora de Schippers
Voltando a Dafne Schippers e à proeza da jornada, esta partiu na pista 6, ladeada pela jamaicana Elaine Thompson, a nova campeã do seu país, e pela americana Candyce McGrone, que a vencera por um centésimo (22,08s a 22,09s) no meeting da Liga de Diamante do Mónaco, em Julho. A multicampeã jamaicana Veronica Campbell-Brown estava na pista mais interior, na dois, e a britânica de 20 anos Dina Asher-Smith aparecia na quatro como outsider.

A primeira metade da prova foi muito equilibrada, mas na recta final Thompson conseguiu alguma vantagem sobre a holandesa e esta parecia prestes a repetir o segundo lugar dos 100m. Só que a grande e loura Schippers acreditou sempre e o seu já proverbial final deu-lhe a vitória por três centésimos, com 21,63 contra 21,66s. Veronica Campbell mostrou que está longe de se encontrar “morta” e ainda acabou com o bronze, em 21,97s.

Thompson ficou a dois centésimos do famoso recorde da Jamaica, de Merlene Ottey, ela que nunca tinha baixado dos 22 segundos; Asher-Smith, com 22,07s, no quinto lugar, bateu o recorde britânico de Kathy Smalwood-Cook (22,10s), que perfez 31 anos no passado dia 9 de Agosto. E Schippers? Com uma melhor marca de 22,03s no ano passado, agora ultrapassou como recordista europeia a mítica Marita Koch, que obtivera 21,71s em 1979 e, sete anos mais tarde, fora igualada pela inigualável Heike Drechsler. Tempos de recordes da RDA? Talvez, mas convém lembrar que Drechsler, uma velocista
saltadora que no final da carreira também brilhou no heptatlo, foi pela Alemanha unificada campeã olímpica do comprimento nos Jogos de 2000 em Sydney!

Noutra grande final do dia, o russo Sergey Shubenkov confirmou a sua segurança técnica vencendo franceses, americanos e jamaicanos nos 110m barreiras e, com 12,98s, bateu o recorde nacional. O americano David Oliver, na pista nove, esbarrou na primeira barreira, desequilibrou-se e foi último, enquanto a prata foi para o jamaicano Hansle Parchment (13,03s) e o bronze para o recordista mundial americano Arries Merritt (13,04s).

Na mesma disciplina, mas no sector feminino, em 100m barreiras, houve nova grande surpresa com erradicação das americanas do pódio, enquanto a Europa voltava a brilhar de forma insuspeita, com a alemã Cindy Roleder em segundo (12,59s) e a bielorrussa Alina Talay a seguir (12,66s, recorde nacional), atrás da jamaicana Danielle Willaims (12,57s).

Os Estados Unidos conseguiram o seu título, porém, na final feminina do comprimento. A líder mundial Tianna Bartoletta, que há dez anos ganhara esta mesma disciplina nos Mundiais de Helsínquia sob o apelido de solteira de Madison, conseguiu um recorde pessoal (e melhor marca do ano) de 7,14m no derradeiro salto para evitar, in extremis, a vitória da britânica Shara Proctor, que ao terceiro ensaio colocara o recorde nacional em 7,07m, superando a sérvia Ivana Spanovic (7,01m, também máximo nacional).

Sugerir correcção
Comentar