Um ranking com o fantasma de Sócrates

1 -Se há qualidade (ou defeito) que prosperou em Portugal nos anos do dito “ajustamento” foi o cinismo. Seria normal que o país abalado por tantas e más notícias na frente económica aproveitasse a subida de 15 posições no ranking mundial da competitividade para, por breves instantes, se congratular. O cinismo do costume, porém, não tolera boas notícias

Se há algo bom no ar, é porque ou há gato, ou manipulação, ou engano, ou incompetência, ou frete ao Governo. O ministro da Economia bem que tentou virar os holofotes da agenda política, trocando o degradação do défice externo ou o abrandamento das exportações pelo do milagre do Fórum Económico Mundial (WEF) no seu último relatório sobre a competitividade de 148 países.

Ninguém lhe ligou e, com o alheamento, o ministro e o Governo não ficaram a perder. Se a sua “surpresa” pelo silêncio com que a oposição recebeu o relatório fosse contrariada, se o PS fosse a jogo, talvez o desejo de encontrar nos seus rankings a prova da competência do Governo ou a bondade do “ajustamento” ruisse como um baralho de cartas. Se o documento fosse lido e discutido a sério, talvez fizesse ricochete no passado recente e acabasse por atingir o Governo em cheio. Muito provavelmente, quem sairia a ganhar com a sua análise seria… o engenheiro Sócrates. Para sorte de Pires de Lima, o PS anda tão entretido no seu drama shakespeariano que não deu conta de nada – adivinha-se que nem António Costa nem António José Seguro perderam um minuto a ler o que para muitos é considerado como a bíblia do investimento externo.

O relatório que abrange 148 países sustenta-se em dados quantitativos produzidos pelas instâncias internacionais, como o FMI ou a Organização Mundial da Saúde, temperados depois por inquéritos nacionais que privilegiam a opinião dos empresários. Para chegar a um ranking, o WEF produziu uma metodologia razoavelmente simples para avaliar o poder competitivo de cada país. Concebeu, ao todo, onze pilares distribuídos por três grandes eixos: as “condições básicas”, onde entram pilares como a qualidade das instituições e das infra-estruturas; os “promotores de eficiência”, baseados em factores como o mercado de trabalho, a qualidade do ensino superior ou a aptidão tecnológica; e a inovação e sofisticação nos negócios. O peso destes eixos na avaliação final varia de acordo com o estágio de desenvolvimento de cada país. Portugal enquadra-se nas economias avançadas, pelo que o eixo da inovação e sofisticação (30%) conta mais do que o das condições básicas (20%), embora o essencial sejam os seis pilares que promovem a eficiência (50% do total).

Ora o WEF reconhece que o extraordinário salto que Portugal que Portugal deu no ranking se explica em parte pelo “ambicioso programa de reformas que o país adoptou”, programa que na avaliação do Fórum parece começar a dar resultados na facilidade para a criação de empresas, no funcionamento do mercado de bens e serviços, ou na maior flexibilidade do mercado de trabalho. Quando o ministro da Economia, ou qualquer outro dos seus pares, leu isto, só pode ter ficado satisfeito. Claro que em termos de flexibilidade das leis laborais Portugal ainda está longe dos regimes mais favoráveis para o investimento (no lugar 119), e, desgraçadamente, as fragilidades macroeconómicas (lugar 128), o défice público elevado (lugar 107), as dificuldades de obtenção de crédito (108) e a estratosférica dívida pública (lugar 138) matam à partida qualquer vontade de festejar. Mas, até aqui, o Governo ainda pode reclamar para si louros, quanto mais não seja porque todos estes itens são facilmente catalogáveis no passivo da “pesada herança” que há uma década transita de governo para governo.

À margem do défice e da dívida há no entanto factores associados à governação que impedem o país de dar mais um salto em frente e de se colocar mais perto da vanguarda. Aí, o Governo não tem desculpa. Em três anos poderia ter controlado o desperdício nos gastos públicos (lugar 88), aliviado a carga de regulamentos do governo (lugar 108) ou aumentando a transparência das suas decisões (lugar 81). Da mesma forma, e apesar da curta margem de manobra fiscal, o Governo poderia ter melhorado o regime de incentivos ao investimento (lugar 129).

Só que, apesar dos maus resultados em matéria macroeconómica e na acção dos poderes públicos, Portugal sobe no ranking e coloca-se ao lado da Espanha por que razões? Pois é: na grande maioria dos casos são os factores que no Governo de Sócrates justificaram fortes apostas políticas que temperam o resultado. São as infra-estruturas, onde Portugal ocupa o segundo lugar ao nível das estradas (12º nas infra-estruturas em geral). São os efeitos do Simplex (que, esclareça-se, este Governo acentuou com legislação fundamental em matéria de licenciamento industrial), que limitam a três o número de procedimentos exigidos para se iniciar um negócio. E, fundamentalmente, é a sua aptidão tecnológica e a existência de uma rede de instituições e empresas capazes de produzir ciência e de a articular com a economia. Lembram-se do Plano Tecnológico e nos investimentos da era Mariano Gago? Pois, como exemplo, Portugal está em oitavo lugar mundial quando à “disponibilidade de cientistas e engenheiros” ou em 18º no capítulo da “qualidade das instituições de investimento científico”.

Foram esses factores que levaram Portugal para o terço superior do ranking da WEF, deixando para trás países como a República Checa, a Itália, a Eslovénia, a Polónia ou a Grécia. Se, como bem o ministro desejava, as conclusões do relatório da competitividade mundial fossem levadas até às letras pequenas, um Governo que cortou nos gastos com ciência, que aperta as universidades, que instiga (ou, ao menos, instigou) jovens qualificados a emigrar, que cortou a eito na Educação e diz horrores sobre o investimento público produzido em Portugal não ia ficar muito bem na fotografia. Ou, pelo menos, teria de dividir falhas e louros com Sócrates. Porque se Sócrates foi arrogante, despesista, lunático, protector da grande banca e dos grandes negócios e acabou por levar Portugal à bancarrota, há um mérito que não se lhe pode negar: ele tinha uma visão para o futuro do país. Pode ter sido uma visão quimérica, mas nestas coisas da política e do Governo, o pior que pode acontecer a um país é ser governado sem visão alguma. 

2 - A má moeda afasta a boa, diz a teoria económica e subscreve o doutorado Cavaco Silva. Não só no universo das Finanças, também nas nomeações para altos cargos europeus. Não é que Carlos Moedas, o eleito para a nova Comiussão Europeia, seja uma má moeda de per se, embora se possa considerar um rublo ou um zloty quando comparado com o dólar que é Silva Peneda ou Maria João Rodrigues, duas figuras públicas que seguramente Jean Claude Juncker trocaria pelo ex-secretário de Estado Adjunto dse Passos Coelho . Porque para se acumular tanto capital de prestígio é necessário muito mais do que um MBA em Harvard, um cargo no Goldman Sachs ou uma efémera passagem por um Governo. É preciso uma longa carreira no serviço público, experiência, memória e mundivisão que vá para lá de uma ortodoxia qualquer.

Moedas foi o eleito por Passos para ir para a Comissão Europeia e a escolha será julgada por cada um de acordo com a leitura que faz dos personagens e do resultado que essa eleição trouxe para o país. Quando se vê a Letónia ou a Estónia com vice-presidências, rejubilar com a pasta da Ciência só pode ser consequência de provincianismo ou falta de ambição. Portugal poderia ter obtido muito mais na negociação se, em vez de jogar um valete apostasse um ás. E se Maria João Rodrigues podia ser considerada à partida uma carta fora do baralho (foi eleita pelo PS para o Parlamento Europeu), Silva Peneda ainda deve saber onde está o seu cartão do PSD.  

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