O 13.º elemento

Crónica “Passe de Letra”, uma outra forma de olhar para o Mundial.

Não te arrebatarás. Não desmoralizarás. Não festejarás de mais. Não festejarás de menos. Entrarás muda. Sairás calada. Farás do teu ombro esponja de desalentos, haja ou não lágrimas envolvidas. Porque as haverá – aqui e ali. Devolverás o que imaginas serem sorrisos e piscares de olhos cúmplices, beijos atmosféricos e afins. Serás paciente nas derrotas. Mais paciente ainda nas vitórias. Fingirás problemas auditivos crónicos quando ouvires, entredentes. “Lá vai a mulher do treinador”.

Lá vai ela. Respira fundo, entra em campo, assume a posição. Há adversários que não cabem dentro de quatro linhas. Lance de bola parada. Marca a mãe do eterno suplente, com os pitons em sangue. Que o pobrezinho trabalha tanto e ninguém lhe dá uma oportunidadezinha na vida. Nem o estafermo do treinador. E é golo. No corredor central surge, rastejante, o veterano das guerras de domingo à tarde em relvado sintético. Que no tempo dele é que era – havia bons treinadores, ao contrário deste. E é golo novamente. Há falta junto à grande área. E aproxima-se, muda e de ombros em esponja, a mulher do treinador da outra equipa. A bola beija a trave, mas não entra. Na recarga, o árbitro faz o 3-0 e termina o jogo.

É muito isto. E um conceito estranho de amanhã. A dois minutos ou a dois mil quilómetros de estrada. Uma ideia de finitude das coisas que se vai aprendendo. Ser o melhor tem sempre um tempo contado, é-se repetidamente mais vezes um estafermo. E, claro, os estereótipos. Sabem lá eles que o treinador de futebol tem de ser o mais inebriante dos presidentes executivos, o mais agregador dos directores de recursos humanos e, quantas vezes, o mais preciso dos administradores financeiros. Já a mulher do treinador, essa, lá vai (tão feliz). 

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