“A Desgraça de Gijón” e outras histórias

Edições anteriores do Mundial mostram que é muito difícil (mas não impossível) anular uma diferença de golos grande e conseguir uma qualificação.

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Alemães e austríacos trocam de camisolas após infame jogo de Gijón no Mundial de 1982 DR

A história dos Mundiais de futebol mostra que já houve muitas qualificações por melhor diferença de golos, mas raramente as selecções apuradas nestas condições tiveram de enfrentar uma diferença tão grande como a que a selecção portuguesa tem à sua frente para conseguir chegar aos oitavos-de-final do Mundial 2014.

O Mundial de 2010, realizado na África do Sul, foi o primeiro em que a selecção do país anfitrião não passou da fase de grupos, perdendo na diferença de golos para o México, com quem terminou empatado em número de pontos. Os sul-africanos entravam na última jornada a precisar de vencer a França e esperar que o Uruguai derrotasse os mexicanos, esperando que, entre estes dois jogos, desse para anular um score de cinco golos que lhes era desfavorável. Cumpriram-se duas das três condições, com um triunfo por 2-1 sobre os franceses e a derrota mexicana por 1-0, ficando a equipa da casa a três golos da qualificação.

Ainda nesse Mundial, a Austrália também ficou de fora dos “oitavos” em benefício do Gana por uma diferença de três golos, depois de ambas as selecções terem terminado com quatro pontos. Para os australianos, o que fez a diferença acabou por ser uma goleada sofrida (4-0) com a Alemanha, de nada valendo o empate com os ganeses e o triunfo sobre a Sérvia – a selecção balcânica até podia ter passado se lhe tivesse sido atribuído um penálti no último minuto do jogo com os australianos, por mão de Tim Cahill dentro da área.

Em 2002, também houve dois casos de qualificação por diferença de golos, com um dos grupos a ser decidido pelo número de golos marcados. A Espanha dominou o Grupo B, com três vitórias. O Paraguai conseguiu a segunda vaga, deixando a África do Sul de fora – ambas as equipas acabaram com os mesmos pontos e zero na diferença entre golos marcados e sofridos; o que fez a diferença para os paraguaios foi o golo de Cuevas aos 84’ do jogo com a Eslovénia. Ainda deste Mundial, no Grupo C, era, basicamente, uma questão de quem conseguiria marcar mais golos à China e de sofrer menos nos jogos com o Brasil. Os brasileiros passaram tranquilamente aos “oitavos”, com três vitórias, os chineses ficaram em último, com três derrotas, e a Turquia foi mais eficaz do que a Costa Rica no duelo pelo segundo lugar, marcando mais um golo aos chineses e sofrendo menos dois com os brasileiros.

No Mundial de 1994, o formato competitivo do Mundial era diferente. Havia menos selecções (24) e apuravam-se para os “oitavos”, para lá dos dois primeiros de cada grupo, os quatro melhores terceiros entre os seis agrupamentos. Foi neste Mundial que ocorreu algo inédito, com as quatro equipas do mesmo grupo a terminarem empatadas em pontos e diferença de golos. México, República da Irlanda e Itália seguiram para a fase seguinte, deixando de fora a Noruega, penalizada por ter apenas marcado um golo – os mexicanos tinham três, enquanto italianos e irlandeses tinham dois.

No Mundial de 1982, aconteceu uma das grandes polémicas da história do torneio, em que a Argélia foi prejudicada por um jogo que ficou conhecido como “A Desgraça de Gijón”, o embate entre a Áustria e a República Federal da Alemanha (RFA). Na altura, os jogos da última jornada de cada grupo não se disputavam à mesma hora, e foram os argelinos a entrar primeiro em campo, triunfando por 3-2 sobre o Chile.

Para os magrebinos se qualificarem, teriam de esperar que, no dia seguinte, acontecesse um empate, uma vitória da Áustria sobre a RFA, ou esperar que os alemães vencessem por três ou mais golos. A Alemanha entrou praticamente a ganhar, com um golo de Horst Hrubesch aos 10’, e depois parou de atacar, limitando-se a trocar a bola no meio-campo ou para o guarda-redes. Nenhuma das equipas fez qualquer esforço para mudar um resultado que convinha a ambas e acabaram por passar as duas. O jogo foi de tal forma confrangedor que o próprio comentador da televisão alemã se recusou a comentar parte do encontro. Depois disto, e de modo a diminuir ao máximo o risco de resultados combinados, os jogos da última jornada de um grupo passaram a ser em simultâneo.

Quatro anos antes, em 1978, também já tinha ocorrido uma enorme polémica durante a segunda fase de grupos que decidiria os finalistas. Se o Grupo A foi um assunto essencialmente europeu, com a Holanda a ultrapassar a Itália, o Grupo B seria mais um capítulo da rivalidade sul-americana entre o Brasil e a anfitriã Argentina.

Ambos ganharam os seu primeiros jogos, depois empataram entre si sem golos e tudo ficaria por definir na última jornada. O Brasil foi o primeiro a jogar, triunfando sobre a Polónia por 3-1, e parecia ter o grupo controlado. Mas não contava com a fúria goleadora da Argentina, que goleou o Peru por 6-0. Kempes marcou o primeiro aos 21’, mas o segundo só viria aos 43’, com o resultado a ganhar expressão apenas na segunda parte. Os brasileiros, afastados da final sem terem perdido um único jogo, desconfiaram da fragilidade defensiva peruana e lançaram acusações de subornos e ameaças feitas pelos argentinos ao seu adversário.

Em 1974, Jugoslávia, Brasil e Escócia terminaram com quatro pontos, passando à fase seguinte quem marcou mais golos à quarta equipa do grupo. Os jugoslavos marcaram nove, os brasileiros marcaram três, enquanto os escoceses marcaram apenas dois.

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