Irmão contra irmão: a saga da família Boateng

Jerome e Kevin-Prince fizeram história na África do Sul há quatro anos quando pela primeira vez dois irmãos se defrontaram no Mundial. A história repete-se no Brasil e o desfecho interessa a Portugal.

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O alemão Jerome Boateng (à esquerda) e o ganês Kevin-Prince Boateng (à direita) Reuters

Há praticamente quatro anos, a 23 de Junho de 2010, a Alemanha enfrentou o Gana na fase de grupos do Mundial da África do Sul, em Joanesburgo. A partida terminou com a vitória dos europeus, por 1-0, mas as duas equipas seguiram juntas para os oitavos-de-final. O encontro teve outro grande atractivo com impacto histórico: pela primeira vez, dois irmãos defrontaram-se ao serviço de diferentes selecções em provas oficiais. O seu apelido é Boateng e o destino voltará a juntá-los hoje, em lados opostos, no Mundial do Brasil, com Portugal atento ao desfecho.

Jerome Boateng tem 25 anos, é defesa do Bayern Munique, tem uma tatuagem ao longo do antebraço direito com a palavra “Agyenim”. É o seu nome do meio e significa “O Grande” em Ashanti-Twi, um dos dialectos do Sul do Gana. Filho de pai ganês e mãe alemã, nunca visitou este país africano, mas sente empatia com as raízes paternas, apreciando, em particular, a alegre música local. Uma simpatia e curiosidade com a cultura dos seus ancestrais, mas não mais que isso. É um orgulhoso cidadão alemão e representa a selecção principal desde Outubro de 2009, depois de já ter alinhado nos diversos escalões jovens da Mannschaft. Na partida frente a Portugal, no passado dia 16, marcou implacavelmente Cristiano Ronaldo, contribuído para a exibição apagada da estrela do Real Madrid.

Kevin-Prince Boateng tem 27 anos, é médio ofensivo do Schalke 04 e meio-irmão de Jerome. Partilham o mesmo pai. Na parte superior do seu braço direito tem uma tatuagem com uma caveira e quatro ases, acompanhada com a frase em inglês “The World Is Yours” (“O Mundo é Teu”). Entre as suas preferências musicais, destaca-se o rapper alemão Bushido, famoso no país pela violência polémica das letras das suas músicas, com temas centrados na droga, sexo e prostituição. Por via materna, é também sobrinho-neto de Helmut Rahn, uma antiga glória do futebol germânico, que apontou o golo decisivo na conquista do Mundial de 1954, frente à Hungria. Em 2009, Kevin-Prince surpreendeu ao decidir adoptar a cidadania ganesa e passar a representar esta selecção africana, após ter alinhado, tal como o seu irmão, nas camadas jovens da equipa nacional alemã.

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Apesar de terem crescido em casas separadas de bairros periféricos de Berlim, com contextos socioeconómicos distintos, os irmãos Boateng estiveram sempre em contacto desde crianças. O futebol, em particular, uniu-os. Fizeram a sua formação no Hertha de Berlim, onde iniciaram igualmente as suas carreiras profissionais. Pessoal e profissionalmente, têm características bem distintas. Jerome é mais perfeccionista, calmo, discreto e segue as regras; Kevin-Prince é impetuoso e agressivo, pouco sensível à autoridade, acumulando casos de indisciplina dentro dos relvados e alguns escândalos fora deles.

Na temporada de 2007-08 o seu percurso comum divergiu. Kevin-Prince rumou aos londrinos do Tottenham, enquanto Jerome permaneceu na Alemanha, mas ao serviço do Hamburgo. Foram mantendo o contacto, mas, em 2010, um incidente turvou a relação entre ambos. Durante uma partida para a Taça de Inglaterra, Kevin, então ao serviço do Portsmouth, defrontou o Chelsea, protagonizando uma duríssima entrada sobre Michael Ballack, lesionando gravemente o capitão da selecção germânica, ao ponto de o afastar do Mundial da África do Sul. A Alemanha reagiu mal ao episódio, chegando mesmo a sugerir-se que a falta violenta fora premeditada, com o propósito de afastar Ballack do torneio africano, evitando que defrontasse o Gana na fase de grupos.

Pressionado pela imprensa alemã, Jerome acabou por condenar publicamente a atitude do irmão. A zanga fraterna foi inevitável e Kevin-Prince cortou relações com o Boateng mais novo. “Disse-me que eu lhe falhei. Que não queria saber nada de mim e que cada um tinha a sua família. Isso foi demais para mim. Não tenho nenhuma relação com ele”, lamentaria Jerome na altura. O tempo haveria de curar a ferida. Nesta temporada, Kevin regressou ao futebol alemão, via Schalke 04 (depois de uma experiência nos italianos do AC Milan), e os Boateng voltaram a reunir-se.

Em Setembro do ano passado, defrontaram-se pelas respectivas equipas, num Schalke 04-Bayern Munique, com Jerome a levar de novo a melhor, numa goleada por 4-0 do conjunto orientado pelo catalão Pep Guardiola. Reencontram-se hoje em campos opostos no Brasil, no estádio Castelão, em Fortaleza, na segunda partida do Grupo D. Paulo Bento será um espectador atento, até porque o resultado poderá ter consequências para a contabilidade da selecção portuguesa, que enfrentará o mano mais velho dos Boateng na próxima quinta-feira, dia 26, em Brasília.

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