Ex-director da CML diz ter deixado “em cima da mesa” estudo que custou 27 mil euros e que ninguém sabe onde está

Rui Pereira, Inês Amaral e Adelaide Silva começaram a ser julgados esta quarta-feira pelos crimes de participação económica em negócio e falsificação de documento.

O ex-director municipal da Câmara de Lisboa responsável pelo pagamento de mais de 27 mil euros por um estudo que ninguém sabe onde está, garantiu esta quarta-feira em tribunal que quando abandonou funções o deixou “em cima da mesa”.

Rui Pereira defendeu ainda que não violou o princípio de imparcialidade, ao contratar para o desenvolvimento desse trabalho a sociedade de advogados da irmã da sua então companheira. 

O antigo director municipal de Cultura, que exerceu o cargo entre Novembro de 2005 e Janeiro de 2009, tendo depois assumido a direcção municipal de recursos humanos, está a ser julgado pela prática dos crimes de participação económica em negócio e falsificação de documento. Quando a acusação do Departamento de Investigação e Acção Penal foi conhecida, no fim de 2013, Rui Pereira suspendeu as funções que ocupava então, como presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça.

Neste processo são também arguidas Inês Amaral e Adelaide Silva, que tinham trabalhado com o director municipal de Cultura (como juristas, ao abrigo de contratos de prestação de serviços) e que dizem ter sido as autoras do estudo que alegadamente lhe foi entregue sobre “a titularidade dos direitos de autor que recaem sobre o espólio de Fernando Pessoa”. A primeira era irmã da então companheira de Rui Pereira e a segunda foi quem assinou, quando estava ainda na Câmara de Lisboa, a proposta de adjudicação do trabalho à sociedade Amaral & Lourenço.  

O ex-director municipal alega que o estudo se destinava a responder a algumas dúvidas em torno do projecto de transformação da Casa Fernando Pessoa numa fundação, acrescentando que havia “pressão política” para resolver esta questão com “grande urgência”. Assim sendo, diz Rui Pereira, pareceu-lhe que era “uma solução rápida” contratar alguém que já conhecesse esta matéria.

O arguido, que assume ter sido sua a escolha da entidade a contratar e a fixação do valor a pagar (num total de cerca de 47 mil euros, dos quais apenas a primeira tranche acabou por ser paga), garantiu que “não pesou absolutamente nada” o facto de Inês Amaral ser da família. Quanto ao envolvimento de Adelaide Silva no trabalho, Rui Pereira disse que só mais tarde teve conhecimento desse facto.

No julgamento que arrancou esta terça-feira, o arguido sustentou ainda que o estudo não podia ter sido desenvolvido internamente. “Não havia juristas disponíveis para esse efeito. Os juristas eram o bem mais escasso da câmara”, disse Rui Pereira, reconhecendo depois que não procurou aferir junto dos serviços jurídicos da autarquia se havia alternativa a uma contratação externa.

E o que é feito desse estudo, alegadamente entregue a Rui Pereira no dia 7 de Janeiro de 2009 e pago no mesmo dia? Essa foi uma pergunta para a qual os juízes e o procurador do Ministério Público procuraram, sem sucesso, obter uma resposta.

O ex-director municipal afirmou que o documento, que diz não se lembrar por quem estava assinado ou quantas páginas tinha, ficou “em cima da secretária” quando transitou para os recursos humanos. “Eu estou a ver o estudo onde o deixei. Não posso arranjar explicação para o desaparecimento. Tinha de lá estar”, disse, acrescentando que o documento lhe foi entregue em mão por Inês Amaral e que a sua entrada na Câmara de Lisboa não foi registada.

Já o seu sucessor na direcção municipal de cultura afirmou que a única coisa que encontrou em cima da secretária, quando assumiu funções a 11 de Janeiro, foi “um dossier que tinha o Orçamento e o Plano de Actividades”. Francisco Motta Veiga disse ainda que não tinha conhecimento da realização de qualquer estudo ou sequer da contratação da sociedade Amaral & Lourenço.

“Não é uma situação assim tão estranha numa empresa pública perderem-se documentos. Na Câmara de Lisboa aconteceu-nos várias vezes não encontrarmos documentos”, sustentou por sua vez Inês Amaral. A jurista assegura ter entregue o estudo em causa mas diz que não tem qualquer cópia do mesmo e que não foi possível recuperá-lo no computador onde foi feito.

Também ouvido em tribunal foi o presidente da Câmara de Lisboa, que admitiu que “muitas vezes” se recorre a juristas externos. Ainda assim, António Costa disse que “em regra” é feito um contacto prévio com a direcção do departamento jurídico, para perguntar se se um determinado trabalho deve ser feito “em casa ou fora” e até para obter recomendações de entidades a contratar.

O autarca afirmou ainda que, a ter-se verificado o extravio do estudo aqui em causa, isso não seria inédito, sendo do conhecimento público que quando se realizou uma sindicância aos serviços do urbanismo se constatou que estavam desaparecidos vários documentos referentes a processos de licenciamento. Tanto António Costa como Inês Pedrosa, que à data dos factos era directora da Casa Fernando Pessoa,  em tribunal nunca ter visto o trabalho alegadamente feito por Inês Amaral e Adelaide Silva.

O julgamento prossegue no dia 11 de Junho, com a audição de testemunhas.

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