A três meses da entrega, armador pediu alterações ao Atlântida

Perito que foi assessor, procurador e broker de empresas envolvidas no projecto duvidou da rentabilidade dos ferries nos Açores pela sua limitada utilização.

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Ex-consultor da Atlânticoline estranhou recusa do Atlântida Paulo Ricca/Arquivo

A três meses da data de entrega, a empresa pública açoriana Atlânticoline pediu alterações ao Atlântida, afirmou esta terça-feira João Moita.

O antigo consultor do armador dos Açores, e que também tinha um contrato para a captação de encomendas para os Estaleiros Navais de Viana do Castelo (ENVC), manifestou na comissão parlamentar de inquérito a sua surpresa por o navio ter sido recusado por incumprimento da velocidade mínima em 0,7 nós. Um caso “que não se viu em lado nenhum”, garantiu.

“Faltavam dois ou três meses para a entrega do navio e o presidente dos estaleiros, Navarro Machado, disse-me que o projecto ainda não era definitivo, porque o armador continuava a fazer alterações”, disse João Moita. “Muitas dessas alterações não foram traduzidas a escrito nem analisadas, foi assim a relação entre as duas partes.” Uma situação pouco comum: “Quando são feitas sucessivas alterações, não há projecto que resista, mas os estaleiros aceitaram”, destacou.

João Moita, sócio-gerente da SCMA Consultores Marítimos, empresa contratada pela Atlanticoline para assessoria técnica no início do projecto dos ferries Atlântida e Anticiclone, revelou ainda que os ENVC propuseram 43 alterações ao projecto que foram aceites pelo armador. Entre estas alterações, a substituição de combustível pesado por gasóleo, a que se opôs: “Dissemos 'não', pelos custos, que calculámos num acréscimo de 935 mil euros/ano.” No entanto, admitiu que o acordo teve como base a possibilidade de contrapartidas, não especificadas, dos ENVC ao armador.

“O prazo de 565 dias para a construção do Atlântida, extremamente apertado para um navio protótipo, teve uma influência grande”, considerou. E minimizou o não cumprimento em 0,7 nós na velocidade mínima contratada: “Nas segundas provas de mar, verificámos que numa viagem de dez horas a diferença de tempo era de 25 minutos.”

Pelo que manifestou surpresa: “Não faz sentido rejeitar um navio por isso, mas como as duas partes chegaram a acordo…” Classificando este episódio como um caso “que não se viu em lado nenhum”, João Moita concretizou: “É uma situação fora de contexto, que num negócio entre duas empresas públicas (o armador Atlânticoline e os ENVC) não haja acordo, só num país como Portugal.”

Neste ponto, manifestou reservas sobre a viabilidade económica do projecto que assessorou: “Este navio (o Atlântida), ou qualquer outro, não é viável nos Açores, por operar só seis ou sete meses por ano, é impossível rentabilizar o investimento.” E mostrou-se desconcertado por o Anticiclone, o segundo ferry encomendado aos ENVC e cuja construção não passou da fase do casco, ter sido também recusado.

Sobre o seu papel em todo o processo, João Moita, na actividade naval desde 1969, revelou ter sido contactado pelo armador: “Estávamos nos Açores a fazer serviço de gestão técnica aos ferries que aí operavam, também a gestão dos navios químicos e fomos contratados pela Atlânticoline.” É assim que a SCMA assina, em 2005, dois contratos com o armador para fornecimento do projecto preliminar e consultadoria para a construção dos dois ferries.

“Sugerimos à Atlânticoline que se contratasse uma empresa de projectos para fazer os estudos e evitar que cada estaleiro concorrente apresentasse um navio diferente”, recordou: “Trabalhávamos com o projectista russo Petrobalt que tinha estado envolvido na construção do ferry para a Madeira.” Esta opção para o pré-projecto teve um escolho: “A Atlânticoline, como empresa pública, não queria contratar directamente com os russos, pelo que foi a SCMA a fazê-lo.”

No concurso da fase de projecto, afirmou João Moita, a Petrobalt apresentou uma proposta inferior em um milhão de euros à do concorrente espanhol, pelo que foi contratada pelos ENVC aos quais a empreitada açoriana foi atribuída por carta-convite. Quanto à Portbridge, revelou ter sido constituída pela Petrobalt como forma de ultrapassar as dificuldades que os russos tinham de fazer pagamentos para o estrangeiro. “A SCMA tinha um contrato de fornecimento de serviços com a Portbridge”, afirmou João Moita, que era procurador desta empresa irlandesa. Por fim, especificou que, com os ENVC, assinou em 2007 um contrato de representação para captação de reparações e construção naval, designado no sector como de broker.

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