Estado concessiona transportes sem ter feito estudos essenciais

Falta de informação obriga a cautelas no modelo de contrato, que o Governo ainda não revelou.

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Nelson Garrido

O processo de concessão dos transportes públicos de Lisboa e do Porto deveria ter sido precedido da realização de vários estudos por parte da autoridade metropolitana de Transportes (AMT). Esse trabalho, legalmente inscrito nas atribuições daqueles organismos, não foi realizado por falta de financiamento, deixando o Estado sem saber, por exemplo, o actual perfil de mobilidade dos cidadãos das duas regiões, e o nível de serviço, e respectivos custos, que deveria ser contratado para satisfazer as suas necessidades de transporte.

Vários especialistas no sector contactados pelo PÚBLICO alertam para o risco provocado pelo desconhecimento dos dados que poderiam ser obtidos com o Inquérito à Mobilidade, o Plano Operacional de Transportes e o Plano de Deslocações Urbanas. O primeiro trabalho ainda começou a ser preparado em 2011 pelas duas AMT, em conjunto com o INE, que tinha feito o inquérito de 2003, mas o Governo nunca transferiu as verbas necessárias para o trabalho que, só no Porto, foi orçamentado em 1,4 milhões de euros.

Perceber o perfil das deslocações é um primeiro passo para se conhecerem as necessidades de transporte público e, à partida, é expectável que muita coisa tenha mudado numa década. O Porto passou a ter uma rede de metro de quase 70 quilómetros e uma malha de auto-estradas bastante densa, que nos últimos anos passou a ser portajada, introduzindo novas mudanças. E se Lisboa não teve tal revolução, os investimentos no metro e em alguns interfaces deste com outros modos de transporte tiveram efeitos que também não foram globalmente avaliados.

A ausência do primeiro trabalho coloca em causa a qualidade e mesmo a exequibilidade dos outros dois e, numa fase seguinte, dificulta uma correcta definição do serviço público de transporte, bem como os respectivos custos a suportar pelo Estado. Estes são dados essenciais no momento de contratar a concessão da operação das empresas públicas, e o Tribunal de Contas desencadeou uma auditoria que visa precisamente apurar se, e como, foram definidas as obrigações de serviço público de transporte, no âmbito da sua contratualização nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.

Desconhecem-se quais serão as conclusões dos auditores, mas face à relativa paralisação das AMT nos últimos anos, não é de esperar uma grande surpresa. O relatório final só deve chegar com os concursos em andamento, tendo em conta que o Governo pretende lançá-los ainda em Maio, antes da saída da troika, e até lá só com muitas precauções no modelo de concurso, e nos seus termos, é que se evitarão erros decorrentes do facto de os concorrentes - operadores de transporte experientes - terem mais informação sobre o negócio do que a entidade que pretende fazer a concessão.

A Secretaria de Estado dos Transportes não adiantou ainda de que forma serão obviados estes riscos. Uma solução passaria sempre pela transferência do risco de variação da procura para o concessionário e pela realização de contratos curtos - que são mais desinteressantes para os privados. Esta fórmula permitiria que, ao mesmo tempo que se realizavam os estudos em falta, os reguladores fossem monitorizando, em tempo real, o serviço efectivamente prestado pelas empresas e ganhassem uma noção clara da procura. Desta forma, o Estado ganharia condições para, num segundo contrato, corrigir as eventuais imperfeições desta primeira concessão.   

Para isso será necessário reforçar o papel das AMT que, na actual situação em que se encontram, não são capazes de cumprir o seu papel regulador. E até neste aspecto se desconhece o que pretende exactamente o Governo. O secretário de Estado dos Transportes, Sérgio Monteiro, deu claramente a entender aos autarcas da Área Metropolitana do Porto que queria ver as autarquias a pagar a regulação, mas o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, discorda. O independente argumenta que se é o Governo quem vai concessionar o metro e a STCP, então não deve eximir-se de pagar a monitorização do serviço prestado pelas empresas.

O processo que será desencadeado nas próximas semanas tem claras nuances territoriais. Em Lisboa, a câmara presidida por António Costa posiciona-se para se candidatar à concessão da Metro e da Carris - que passaria assim da esfera da Administração Central para a Local, se a autarquia vencesse. Já no Porto, se, como é esperado, surgirem privados interessados na concessão conjunta do metro e da STCP, e dada a demora expectável neste tipo de concursos que significam rendas de milhões de euros, vai ser necessário prolongar o contrato do Metro do Porto, qe termina a 31 de Dezembro. Esta é a única das quatro empresas em questão que já é operada num regime de subconcessão, ganha há quase cinco anos por um consórcio liderado pelo grupo Barraqueiro.

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