Governo está a ajudar RTP a obter financiamento bancário, mas salários estão a salvo

Ministro foi ouvido no Parlamento sobre o novo modelo de governo e admitiu que a RTP tem que ser ajudada para conseguir crédito bancário.

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Miguel Poiares Maduro esteve esta quinta-feira à tarde no Parlamento Rui Gaudêncio

A RTP está com problemas em obter financiamento bancário mas ainda não terá chegado ao ponto de não ter dinheiro para os salários do mês de Março, como a oposição alertou esta terça-feira de manhã no Parlamento, aquando da audição de Miguel Poiares Maduro na Comissão de Ética.

O ministro esteve esta terça-feira de manhã no Parlamento a pedido das bancadas do PSD e do CDS-PP para explicar o novo modelo de governo da RTP nomeadamente a missão e as funções do futuro Conselho Geral Independente incluídas nos novos estatutos da empresa, assim como as alterações às leis da televisão e da rádio. Poiares Maduro foi confrontado pelo BE e PCP que disseram ter conhecimento de que a RTP vive um momento de tal “asfixia” financeira que não terá sequer dinheiro para os salários de Março.

O ministro afirmou desconhecer tal situação, que classificou de “especulação” porque, disse, “não há qualquer razão, mínima que seja, para isso” e se existisse algum risco desse tipo a administração tê-lo-ia informado.

Questionada pelo PÚBLICO, a administração da RTP “garante que o pagamento dos salários do mês de Março está assegurado” e acrescente que “ as medidas de gestão a implementar garantem o pagamento dos salários no estrito cumprimento do orçamento para a RTP aprovado pelo Estado”.

Perante os deputados, Poiares Maduro voltou a admitir, como fizera em entrevista ao PÚBLICO, as dificuldades da RTP em obter financiamento bancário para a reestruturação, pelo que o aumento da contribuição para o audiovisual (CAV) que entrou em vigor no início do ano foi também para suprir esse problema, a par de servir para um investimento nas antenas internacionais.

Para esta terça-feira, contou o ministro, estava marcada uma reunião entre a administração da RTP e a Secretaria de Estado do Tesouro sobre o problema do acesso ao crédito, que tem também adiado o plano de “redução de alguns custos” na empresa pública, que passa pelo corte de trabalhadores. Terá sido isso que tem adiado o recurso ao despedimento colectivo, mantendo-se apenas as rescisões amigáveis. O Estado pode “apoiar e assessorar” a RTP a procurar esse financiamento, mas não pode dar-lhe mais dinheiro, disse Poiares Maduro.

 

Bloco queria aumento maior da CAV

O Bloco quis saber porque o Governo não aceitou a recomendação da UER – União Europeia de Radiodifusão para que se aumentasse a CAV para três euros mensais em vez dos 2,65 euros actuais. Tal opção teria ajudado a resolver parte do problema fundamental da empresa que é a falta de financiamento, defendeu o BE.

Poiares Maduro disse desconhecer esse estudo da UER e defendeu que o valor decidido no orçamento do Estado “é o adequado” para o financiamento da RTP e que foi definido com base “no estudo e na proposta” feita pela própria administração. Realçou que o aumento da CAV até permite à RTP um financiamento maior do que o previsto no PDR – Plano de Desenvolvimento e Redimensionamento.

Este plano implica a redução de 22 milhões de euros nos custos com pessoal até ao final deste ano, mas a empresa terá conseguido apenas um terço. O ministro voltou a defender que a empresa tem recursos humanos a mais e fez comparações com a SIC e a TVI. Lembrou que o serviço público tem 1800 trabalhadores e as privadas apenas 400 – “nada justifica uma diferença tão grande”. Afirmando não querer “comparar a RTP com os operadores privados”, Poiares Maduro disse que “por muito que sejam relevantes as obrigações de serviço público, a RTP tem que reduzir os recursos humanos até para poder investir mais na grelha e em conteúdos”.

Sobre o modelo de governo para o serviço público de rádio e televisão que inclui a criação de um conselho geral independente, o ministro voltou a desfiar todos os argumentos da desgovernamentalização e da transparência, argumentou que o novo órgão será sujeito a audições na Assembleia da República e que assumirá todas as competências que estão agora sob a sua tutela sectorial.

 

Administração não é “braço do Governo”

Poiares Maduro rejeitou que a actual administração seja “um braço deste Governo” e recusou falar sobre a governamentalização de outras equipas anteriores. Salientou que um novo modelo de governo se justifica até mesmo só para acabar com a suspeição da instrumentalização, independentemente de esta existir ou não. “O que queremos é eliminar essa suspeita.”

Dos seis elementos do novo conselho geral, que ditará a estratégia da RTP e depois fiscalizará o seu cumprimento pelo conselho de administração que designar, o Governo escolhe dois, o Conselho de Opinião outros dois, e serão esses quatro que depois nomeiam os dois em falta. O presidente será eleito entre eles. No futuro, com a saída de três membros por sorteio, o Governo acabará por ficar apenas com o poder de nomear um em seis, disse o ministro, que considera natural que o Governo fique com o direito de palavra sobre a escolha do membro da administração que fique com o pelouro financeiro.

“Teremos mais Estado mas menos Governo”, garantiu o ministro realçando não se poder confundir Estado e Governo, e vincando que “o interesse do Estado passará a ser prosseguido pelo Conselho Geral Independente”. Lembrou que os membros serão inamovíveis e terão mandatos de seis anos, não renováveis.

Sobre a missão de serviço público da RTP, a oposição criticou a mudança de paradigma na produção, passando o serviço público a ser mais agregador do que produtor de conteúdos, com o objectivo de estimular e servir de regulador da qualidade da produção audiovisual independente. O ministro afirmou que não se pode querer que o mercado independente seja incentivado sem reduzir a produção interna da RTP uma vez que as privadas produzem todos os seus conteúdos.

Poiares Maduro reafirmou a obrigação de a RTP passar a ter um “serviço de programas” sedeado no Porto, mas sem especificar qual. E a RTP2 deve tornar-se um canal de cariz cultural em vez de agregar conteúdos tão diferentes como hoje.

Tal como em ocasiões anteriores, também hoje a discussão entre Poiares Maduro e a oposição incluiu referências literárias. Depois da Alice no País das Maravilhas, na discussão do Orçamento do Estado, e de Dom Quixote na sexta-feira na discussão na generalidade da legislação para o serviço público, hoje a socialista Inês de Medeiros disse que o ministro parece o Rei Ubu, a personagem criada por Alfred Jarry – que conquistou o trono matando o rei e depois de ter granjeado a simpatia do povo se transforma num tirano.  
 

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