Torre 4 do Aleixo foi abaixo às 11h13 e seguiram-se alguns gritos contra Rui Rio

Implosão decorreu com normalidade e o que restou do prédio caiu para uma zona vazia previamente preparada para o efeito.

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a torre desfez-se em pedaços cinco segundos após as explosões Paulo Pimenta

Correu tudo como estava previsto. A buzina de aviso soou duas vezes, uma voz nas colinas em redor fez uma contagem decrescente e gritou “Fogo”. Eram 11h13. Seguiu-se a explosão, aqueles instantes em que parece que tudo falhou, porque nada acontece, e, depois, a água subiu e a torre 4 tombou, partida a meio, no local onde era previsto cair.

No exterior, rebentaram então os gritos dos curiosos, com alguns moradores do Bairro do Aleixo a entoarem insultos dirigidos ao presidente da câmara.

O Aleixo, no Porto, já só tem três torres ao alto e os destroços de uma outra à espera de serem agora retirados. Apesar da proximidade da Rua da Mocidade da Arrábida, os destroços do edifício ficaram contidos no terreno em frente e não será necessário proceder à limpeza da artéria, pelo que os moradores deverão poder regressar a sua casa antes do meio-dia e meia.

No final da operação, Rui Rio que, desta vez, escolheu o centro de operações para assistir à implosão (“para ser diferente” da primeira vez, quando preferiu ir para uma embarcação no meio do Douro), resumiu a queda da torre com um “correu tudo bem, uns segundos e o problema fica resolvido”.

Para quem assistira à primeira implosão, em Dezembro de 2011, sobrava a ideia de que esta torre, ao contrário da 5, não rodou tanto, e não se desfez em pedaços tão pequenos, ficando inteira uma parte muito considerável da estrutura, acima do sétimo piso. “Tudo tal como estava projectado”, disse o comandante Rebelo de Carvalho, explicando que a torre 5 estava mais próxima do edifício vizinho (a torre 4, agora destruída), pelo que foi necessário aplicar uma carga explosiva que garantisse que o edifício se desfizesse em pedaços mais pequenos.

Ricardo Pereira, engenheiro da empresa Restrada - que também foi responsável pela implosão de 2011 - disse ao PÚBLICO que, de facto, "a parte superior do prédio podia ter-se partido mais um bocadinho", que sempre era trabalho que se poupava. Mas acrescentou que, nesse aspecto, o comportamento dos edifícios é sempre algo imprevisível e que, em todo o caso, o desabamento foi "perfeito". Do grande bloco que não se desfez hão-de tratar as retroescavadoras sem dificuldades de maior, garantiu.

"Isto tem de ser terminado", diz Rio

Rui Rio chegara ao local pouco antes das 11h, para assistir à implosão, confessando sentir-se satisfeito mas assumindo o respeito pelas pessoas do bairro. Em declarações ao jornalistas pouco antes da contagem decrescente começar, o presidente da câmara, que se fez acompanhar de toda a vereação e do empresário e ex-seleccionador nacional António Oliveira, parceiro da autarquia no fundo imobiliário que há-de transformar os terrenos do Aleixo num condomínio de luxo, assumiu estar ali com uma "mistura de sentimentos, por estar a continuar cumprir a promessa eleitoral de demolir o bairro, mas por saber respeito pela tristeza das pessoas que gostariam de poder permanecer no Aleixo, do qual recordarão "coisas boas certamente".

Rio sabe que não vai conseguir demolir as três torres que restam no Aleixo, mas nem por isso considera estar em incumprimento com o eleitorado ao qual fez a promessa. E nem sequer sabe se conseguirá deitar abaixo pelo menos mais uma torre, até ao final do mandato. A que tem menos moradores é a torre 1, mas o autarca voltou a lembrar que, na sua perspectiva, essa deverá ser deixada para o fim, para que o sistema judicial resolva o problema do tráfico de droga e a autarquia não se veja obrigada a realojar pessoas que se dedicam a essa actividade ilícita.

Essa decisão caberá, contudo, ao seu sucessor. E num momento em que já há várias candidaturas no terreno, Rio afirmou estar convicto de que quem vier a seguir deve terminar este projecto. "Ganhe um presidente sóbrio e consciencioso ou ganhe alguém menos sóbrio e menos consciencioso, isto tem de ser terminado", disse. 

O ex-seleccionador de futebol António Oliveira manteve-se em silêncio, mas o presidente da Câmara do Porto garantiu ainda que o fundo imobiliário vai mesmo construir as 300 casas previstas no contrato para realojamento de habitantes das cinco torres. E ainda que no Aleixo só haja hoje em dia 135 casas ocupadas, o autarca afirmou que os antigos moradores do Aleixo que têm sido realojados em bairros camarários vão, se quiserem, poder mudar para uma dessas casas.

Dois mundos

A implosão da torre 4 do Aleixo foram dois acontecimentos diferentes, consoante a localização do observador. No centro de operações montado junto às ruínas da antiga Companhia do Gás, na marginal do Douro, era grande o aparato mediático, com carros de exteriores das televisões, muitas câmaras apontadas à torre e jornalistas de um lado para o outro. Viam-se ainda muitos polícias, pessoal técnico, vereadores, quadros superiores da câmara, convidados que não conduziam os próprios carros, senhoras de tacão alto e carteiras de marca.

No alto da encosta, na entrada norte do bairro, concentravam-se os moradores, num silêncio tenso que explodiu em insultos quando a torre veio abaixo. "Partiu mal, ficou um bocado inteiro", regozijaram alguns mal a poeira começou a assentar. Aida Sousa, de 60 anos, sentiu-se mal com a comoção. Passou a meia-hora que se seguiu sentada no chão, com as filhas e amigas a tentarem acalmá-la. Aida Sousa já nem mora no Aleixo, de onde saiu há dois anos para ser realojada pela câmara no Bairro da Mouteira, perto de Serralves. Mas viveu aqui 37 anos e continua a passar grande parte dos seus dias no Aleixo.

A filha, Liliana Sousa, de 22 anos, também chora. Nem acha que a nova casa na Mouteira seja pior do que a que tinha aqui - a cozinha é menor, mas tem dois quartos de banho operacionais -, mas vai repetindo que "custa muito" ver a casa e o bairro onde cresceu a vir abaixo assim. "Brincámos tanto ali".

Há muita gente a chorar. Vêem-se homens a abandonar a cena num passo acelerado que sugere comoção e revolta mal contida e mulheres que gritam. "Mandaram-me para Ramalde e lá não conheço ninguém. Ramalde só para fazer o comer da noite e dormir, continuo a passar os dias aqui", diz Rosa Violeta, de 42 anos. "Também vejo droga em Ramalde. Se é pela droga que mandam o Aleixo abaixo, tinham que mandar a torre 1 primeiro e todos os bairros do Porto", protestava. Também houve quem passasse da raiva ao riso. Um homem que pouco antes acusava meio mundo de estar "comprado pela câmara", brincava com um operário ao serviço do município, dizendo-lhe para tirar as mãos de trás das costas e ir tratar de partir o bloco do prédio que não se desfez e de acartar aquele entulho todo.

O Bloco de Esquerda também escolheu a entrada norte do bairro para assistir à demolição. Deputados municipais seguravam uma faixa onde escreveram "Fim aos negócios sujos do imobiliário". E o ex-deputado José Soeiro, apontado como candidato do BE à presidência da Câmara do Porto, distribuía panfletos com um título quase igual.
 

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