Supremo dos EUA pronuncia-se sobre liberdade religiosa e direito à contracepção

É o caso mais importante do ano em termos de jurisprudência, diz a imprensa norte-americana. Empresas contestam cláusulas do Obamacare relativas à inclusão de contraceptivos nos planos de saúde, alegando violação dos seus princípios religiosos.

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Supremo anuncia a sua deliberação no último dia antes das férias judiciais REUTERS/Kevin Lamarque

O Supremo Tribunal dos Estados Unidos deverá pronunciar-se esta segunda-feira quanto ao direito das empresas privadas de recusarem o pagamento de contraceptivos na cobertura das apólices de saúde dos seus funcionários, em função das convicções religiosas dos accionistas ou administradores. A questão colocou-se após a entrada em vigor da nova lei que regula o funcionamento do sistema de saúde norte-americano – conhecida como Obamacare – que mandata a inclusão da contracepção nos planos privados de saúde, cuja subscrição passou a ser obrigatória.

Uma maioria de quase 80% da população tem acesso a cuidados médicos através de apólices colectivas disponibilizadas pelos respectivos empregadores e que fazem parte dos contratos de trabalho. A questão em análise pelo Supremo tem a ver com o estatuto “moral” que as empresas (privadas e que não estejam classificadas como organizações sem fins lucrativos) podem reclamar para si próprias: terão o direito a fundamentar decisões administrativas – e a desrespeitar leis federais – com base em convicções religiosas?

O caso chegou até ao Supremo através de uma queixa interposta pela Hobby Lobby Stores, uma cadeia de artigos de papelaria com sede em Oklahoma City e cerca de 13 mil funcionários, detida pela família Green. Os donos da empresa recorreram a tribunal para contestar a aplicação das cláusulas do Obamacare que mandatam a inclusão de certos serviços contraceptivos nas apólices dos seus trabalhadores, apresentando como argumento a violação dos princípios religiosos evangélicos baptistas que são seguidos pela família.

Em concreto, a família Green contesta o recurso a contraceptivos de emergência, como a pílula do dia seguinte, ou o uso de dispositivos intra-uterinos. A família equipara esses métodos à prática do aborto, que a sua fé condena, e por isso rejeita o pagamento por violação da sua liberdade religiosa – tal como consagrada no Religious Freedom Restoration Act, uma lei de 1993.

Um tribunal de recurso reconheceu legitimidade à pretensão da Hobby Lobby Stores e isentou a empresa de cumprir essa imposição legal (o Obamacare já prevê uma excepção para as organizações religiosas). A Administração Obama apelou à mais alta instância em defesa da sua reforma, e da salvaguarda dos direitos das mulheres: a imprensa americana diz que, em termos de jurisprudência, este é o caso mais importante do ano judicial que hoje termina.

Já faz algum tempo que o órgão judicial tem pela frente um processo que envolve a liberdade religiosa, por um lado, e a liberdade individual (das mulheres tomarem decisões sobre a sua saúde reprodutiva), por outro. As atenções estão concentradas nos elementos mais conservadores do colectivo do Supremo, incluindo o juiz presidente John Roberts (quando a constitucionalidade de toda a reforma legislativa relativa ao sistema de saúde foi avaliada pelo tribunal, em 2012, foi o seu voto de qualidade que “salvou” o Obamacare).

Abrir a porta a outros processos
Além da família que detém a Hobby Lobby Stores, os donos de uma outra empresa familiar de fabrico de mobiliário, a Conestoga Wood Specialties, alegou o seu respeito pelos princípios cristãos menonitas para justificar a objecção ao pagamento de contraceptivos às suas funcionárias – também neste caso, a família Hahn viu o tribunal reconhecer a sua pretensão em nome da garantia da liberdade religiosa. Segundo a Associated Press, pelo menos outras 49 empresas, que estão a reclamar a mesma isenção por fundamentos religiosos, aguardam o desfecho do seu processo.

Vários analistas americanos sublinham que se o Supremo enveredar pela mesma via, estará a abrir a porta a uma sucessão interminável de processos pondo em causa os direitos de minorias: as empresas poderão reclamar o não pagamento de transfusões sanguíneas ou de vacinas, por exemplo, alegando que estes tratamentos chocam com os seus dogmas religiosos.

Uma sondagem da empresa Ipsos para Reuters revela que a maioria dos americanos discorda dos argumentos invocados pela Hobby Lobby Stores e está contra a exclusão dos contraceptivos das apólices de seguro dos trabalhadores por motivos religiosos. À pergunta “deveriam os empregadores poder escolher as formas contraceptivas disponibilizadas nas apólices de saúde com base nas suas crenças religiosas”, uma maioria de 53% dos inquiridos respondeu que não e 35% disseram que sim.

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