Schröder: um social-democrata com amizades

Gerhard Schröder não gostava que se levantassem dúvidas...

Gerhard Schröder foi líder do partido social-democrata alemão entre 1999 e 2004 e o chanceler que antecedeu Angela Merkel na condução dos destinos da Alemanha. Recentemente foi notícia pela luxuosa festa do seu aniversário no Palácio Jussupov, em São Petersburgo, na companhia do seu amigo Vladimir Putin.

Foi também notícia por ter apoiado a recente actuação da Rússia na Ucrânia. Voltou a ser notícia no passado dia 10 de Julho quando o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) proferiu a sua decisão no caso Axel Springer AG contra a Alemanha.

A história conta-se rapidamente e é cheia de ensinamentos: em Maio de 2005, Schröder, na sequência de uma derrota em eleições regionais, anunciou a convocação de eleições gerais para Setembro desse ano, um ano antes do fim da legislatura. Para o efeito, apresentou uma moção de confiança no Parlamento alemão e deu instruções aos partidos que apoiavam o seu Governo para se absterem, podendo assim ser derrotado e obrigando o Presidente alemão a dissolver o Parlamento e a convocar as desejadas eleições. As eleições tiverem lugar em Setembro de 2005, Schröder foi derrotado, abrindo lugar à subida de Merkel ao poder e em Dezembro foi tornado público oficialmente que iria ser presidente de conselho de administração da Nord Stream AG, um consórcio germano-russo que ia construir o gasoduto que viria a transportar o gás russo para a Europa ocidental. Um consórcio com sede na Suíça e dominado pela famosa sociedade russa Gazprom. O acordo de princípio da construção do gasoduto tinha sido assinado em Abril de 2005, um mês antes da decisão de Schröder de convocar novas eleições e a assinatura do contrato tinha sido em Moscovo, poucos dias antes das eleições, em Setembro de 2005.

Tanto a decisão de convocar novas eleições através de um estratagema parlamentar como o facto de ter ido, quase de imediato, após as eleições, para um rentável lugar – falava-se num milhão de dólares por ano – no conselho de administração de uma empresa que surgira em função dos acordos por si assinados, levantaram grande controvérsia pública na Alemanha.

Em 12 de Dezembro de 2005, o diário Bild publicou na sua primeira página um artigo com o título: “O que ganha ele verdadeiramente com o projecto do gasoduto? Schröder deve revelar o seu salário russo”. O artigo era extenso, ouvia várias opiniões e, entra elas, citava Carl-Ludwig Thiele, vice-presidente do grupo parlamentar do partido liberal (FDP), que afirmava ser necessário levantar a questão: “Schröder queria desfazer-se das suas funções porque lhe tinham proposto lugares lucrativos? Teria razões pessoais quando decidiu convocar eleições antecipadas numa situação politicamente desesperada?”. Uma “suspeita monstruosa”, afirmava o Bild.

Schröder recorreu aos tribunais alemães para proibir o Bild de voltar a publicar as afirmações de Thiele e conseguiu que os tribunais alemães lhe dessem razão. No tribunal de 1.ª instância, porque a suspeita levantada, embora não fosse da prática de nenhum crime, dada a sua gravidade exigiria que Schröder tivesse sido ouvido – o Bild alegava que tentara fazê-lo sem obter resposta – e não havia factos que justificassem suficientemente o levantar de tal suspeita pública. No tribunal de recurso, a censura à actuação do Bild e a justificação para a proibição da publicação das controvertidas declarações apoiaram-se na falta de objectividade e de ponderação do artigo, nomeadamente pelo facto de o jornal não ter referido os aspectos favoráveis a Schröder, nomeadamente a fragilidade do partido após as eleições regionais de Maio de 2005 e a forma como se tinha empenhado na vitória do seu partido nas eleições de Setembro.

Numa perspectiva do cidadão comum, pese embora a sólida argumentação jurídica, os tribunais alemães “fizeram o frete” a Schröder, numa política de deferência com os poderosos que, regularmente, mancha a história do poder judicial.

Mas a empresa Axel Springer AG, proprietária do Bild, não se conformou e queixou-se no TEDH invocando ter sido violado o art.º 10.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos que consagra a liberdade de expressão. E em boa hora o fez, porque a actuação dos tribunais alemães configurava uma verdadeira censura, impedindo para todo o sempre que os alemães pudessem conhecer as dúvidas levantadas pelo deputado liberal.

Para o TEDH, não havendo dúvidas sobre o interesse público da matéria em causa, não se justificava a censura: estava-se perante declarações de um deputado a partir de diversos factos objectivos, não cabendo aos tribunais dizer a forma como um artigo deve ser escrito.

O TEDH não teve, assim, muitas dúvidas: por unanimidade, condenou a Alemanha por violação da liberdade de expressão e a pagar € 41.330 à Axel Springer, AG, pelas despesas que tivera com os diversos processos judiciais. Quanto a Schröder, continua na Nord Stream, AG...

 

Sugerir correcção
Comentar