Rio, a cidade engarrafada procura soluções para acabar com o “quentão”

O Governo incentivou a compra de carros e os brasileiros aproveitaram. Há perto de 2,5 milhões de veículos privados nas ruas do Rio, e a qualidade dos transportes públicos indigna os cariocas. A cidade aposta nos autocarros com vias exclusivas.

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BRT: viajar num corredor exclusivo para fintar o trânsito Alexandra Prado Coelho, Nelson Garrido

São 9h30 da manhã, o que significa que a hora de ponta já passou no Alvorada, o novíssimo terminal na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. É aqui que chega quem viaja no BRT (Bus Rapid Transit) vindo da zona Oeste da cidade, e passa para os autocarros convencionais – o que geralmente, explica uma passageira, significa passar de “um fresquinho” para “um quentão”.

O ar condicionado é apenas uma das vantagens do novo BRT. A outra – a maior – é o facto de ter reduzido substancialmente o tempo de viagem, dado que o veículo circula em corredores exclusivos, onde não se cruza com o restante trânsito. Viviane Heinze confirma que a sua vida mudou depois da inauguração do BRT. “Foi muito bom. Ainda está um pouco cheio, era preciso mais ónibus “, diz. Mas o seu tempo de viagem entre a casa e o trabalho reduziu-se em 1h20 minutos – o que antes demorava duas horas, demora agora 40 minutos.

Numa cidade de 6,5 milhões de habitantes, completamente esmagada pelo peso dos carros particulares e com um sistema de transportes públicos mais do que deficiente, o BRT é, neste momento, a “menina dos olhos” da Prefeitura do Rio de Janeiro. Mas não agrada a todos. Um taxista que pede para não ser identificado apresenta a mesma queixa que todos os automobilistas: o BRT vem roubar faixas que até aqui eram ocupadas pelos automóveis particulares. Além disso, acrescenta, tem havido acidentes, quando os BRT não param no semáforo a tempo de permitir a passagem de carros que vêm de uma via transversal.

O primeiro argumento do taxista toca num ponto fundamental para se perceber o caos em que se transformou o trânsito no Rio de Janeiro, e em muitas cidades brasileiras. Willian Aquino, especialista em questões de transportes da consultora Sinergia Estudos e Projectos, explica: “Por mais de 50 anos, a política de transporte público no Brasil tem sido relegada para segundo plano. Os governos têm incentivado rodovias rurais e urbanas e facilitado a compra financiada de automóveis. Os estacionamentos nas vias são muito baratos e a gasolina também. Há muita facilidade para o uso de automóveis”. A política do Governo federal beneficia a indústria automóvel, mas prejudica a qualidade de vida das cidades.

A estes incentivos soma-se o facto de o nível de vida de uma parte significativa da população ter melhorado. “Antes as pessoas não podiam consumir géneros alimentícios e bebidas de melhor qualidade”, diz Willian Aquino. “Não tinham plano de saúde privado, somente a rede pública. Desde o Plano Real as condições mudaram em geral e puderam acessar mais serviços. Querem melhor transporte e não apenas transporte”.

Os números são impressionantes. Segundo dados citados pelo Consorcio BRT, que opera o serviço, a frota de veículos particulares no Rio é de 2,5 milhões, tendo sofrido um aumento de 73% entre 2001 e 2012. Há, por dia, um milhão de viagens em veículos particulares; e há, na região metropolitana do Rio, dez milhões de viagens diárias em transportes públicos. Isto traduz-se num cenário de congestionamentos constantes. Vias engarrafadas, pessoas fechadas dentro de autocarros quentíssimos, automobilistas desesperados, irritação crescente.

Tudo isto ajuda a explicar o facto de os grandes protestos de 2013 nas cidades brasileiras terem começado por causa do aumento dos bilhetes dos autocarros, e contra o poderoso lobby que gere este transporte. As pessoas têm mais dinheiro, e não estão dispostas a aceitar serviços de tão baixa qualidade.

A solução passaria por melhorar os transportes, e aí é preciso fazer opções: alargar as linhas de metro, aumentar o número de autocarros e melhorar a qualidade, ou apostar noutras soluções, como o BRT? Affonso Nunes, relações públicas do Consórcio BRT, argumenta a favor deste sistema: “Comparado com os comboios e o metro, o BRT tem custos mais baixos e um tempo de implantação mais reduzido. Um corredor de BRT como este [o TransOeste, que liga a Barra da Tijuca a Stª Cruz e Campo Grande, inaugurado em Junho de 2012], com quase 60 quilómetros, pode ser construído em dois anos. Para construir um metro com esta extensão levaria quatro vezes mais tempo e dez vezes mais recursos”.

O metro do Rio está sobrelotado e tem linhas muitíssimo reduzidas. “Os metros custam caro por quilómetro, gastam muito tempo para serem construídos e isso levou muitos governos a não se interessarem”, afirma Aquino. “E são sistemas com um alto custo operacional, o que os torna deficitários. Houve um governador do Rio que dizia ser melhor pagar um táxi, dar um sanduiche e um suco a cada usuário do metro do que mantê-lo operando.” Mas as coisas começaram a mudar, nos últimos anos houve mais investimento nos transportes públicos – e em dez anos houve um aumento de 8% nas viagens em metro e comboios.

Os planos para o BRT no Rio levam em conta a realização dos Jogos Olímpicos na cidade em 2016 e prevêem, para além do TransOeste, a criação do TransCarioca, ligado a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional (previsão de 400 mil passageiros/dia, conclusão prevista para este ano); do TransOlímpico, entre a Barra e Deodoro (79 mil passageiros/dia, concluído em 2015); e o TransBrasil, entre Deodoro e o Aeroporto Santos Dumont, no Centro (900 mil passageiros dia/ conclusão prevista para Dezembro de 2015). São, no total, quatro corredores, com uma extensão de 167 quilómetros e que se espera que em 2016 transportem entre 1,5 milhões e 2 milhões de passageiros por dia.

Isto vai realmente ajudar? Willian Aquino confirma que “a opção pelo BRT ficou a dever-se ao menor custo total de investimento a curto prazo, mesmo que sistemas sobre trilhos tenham menor custo total a longo prazo”. Mas acredita que o sistema irá “criar uma rede de transporte público com melhor nível de conforto e velocidade” e contribuir para “a racionalização de muitas linhas de ónibus [concessionadas a privados, que concorrem entre si] que operavam em competição no mercado levando a sobrecarga nas vias, nos pontos de parada, e superposição de itinerários”.

E durante o Mundial de Futebol, em Junho, a situação complicar-se-á? “Muito pouco, provavelmente”, acredita o especialista. Aquino não prevê grandes engarrafamentos, “ou sequer aumento de fluxo” – até porque os jogos coincidirão com dias feriados ou fins-de-semana. “Um jogo no Maracanã no passado já teve mais de 100 mil pessoas, a capacidade actual é muito menor. E há uma linha que liga o Maracanã e a Zona Sul e o Centro, onde estará a maioria dos torcedores turistas”.

Nos últimos tempos, os cariocas ganharam o hábito de dizer “imagina na Copa”, mas o cenário de pesadelo de um engarrafamento gigantesco poderá não se concretizar. O que existe já hoje é um pesadelo diário para quem tem que chegar ao trabalho todos os dias de manhã e regressar a casa ao final da tarde.

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