A Alemanha não quer mais "tolerados"

O Bundestag aprovou este mês uma lei que abre novas condições de integração aos imigrantes “tolerados” no território mas que também aponta a prisão a quem chega à Alemanha vindo de outro Estado-membro ou pelo tráfico do Mediterrâneo. “Pensava que a Europa era um lugar onde estaríamos seguros".

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Stephan Blay tenta fazer-nos entrar sem que estranhemos os preparos à casa. Não costuma receber visitas. Deixou de saber confiar. Assim que ouve o trinco da porta destravar-se, volta o corpo de braços abertos e declama: “Welcome to my prison [Bem-vindos à minha prisão].” Entramos. O chá fica a fazer. Ao lado estão malas afogadas em fita-cola, uma torre de livros e cadernos, dossiers, meias dobradas ao jeito de avó, chinelos, mantas, um Pai Natal que abana o braço como um gato da sorte, carregadores de telemóvel, champôs, um cinzeiro, uma ventoinha, uma televisão e um saco de maçãs (Stephan só come fruta). As paredes são como um diário. A verde, desenhou os irmãos como bonecos de escola primária: corpos de palito e cabeças desproporcionais com riscos de cabelo. Junto ao interruptor, lê-se o diálogo que lhe anda a “perturbar a cabeça”:

— Sabes de onde vens?
— Não é da tua conta.
— Quem és tu?
— Eu venho de onde venho. Sou quem sou.

O músico e dançarino costa-marfinense vive nos arredores de Hamburgo há um ano e a polícia faz-lhe perguntas todas as semanas, “por estar na rua, por não estar, de dia, de noite, não interessa a fazer o quê”. Pedem-lhe os documentos, vasculham-lhe o passado com frequência. Numa daquelas manhãs em que acordou sem fôlego — porque “a vida torna-se demasiado louca quando a cabeça funciona 24 horas por dia” —, Stephan pegou na bicicleta e foi para a Holanda, “que é já ali”, aponta através da janela. Não sabia como, mas queria escapar ao estado de intermitência a que, na Alemanha, chamam Duldung (ou “Aussetzung der Abschiebung”, isto é, suspensão de deportação). Trata-se de um certificado de “tolerância” atribuído pelas autoridades em resposta a um segundo pedido de protecção internacional dentro da União Europeia (UE). Pode balançar-se para o lado da deportação ou para mais uns meses em terras germânicas e resulta da inoperância do actual sistema de asilo europeu, baseado no regulamento de Dublin III. Na tentativa de melhor definir a política de asilo nacional, o parlamento federal alemão aprovou este mês a revisão da lei de residência, alargando condições para a permanência de estrangeiros que já habitam no país, por um lado, e impondo restrições à entrada de novos migrantes.

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Stephan Blay, 32 anos, Costa do Marfim: “O que posso fazer para vencê-los é ir para a escola. Não me podem tirar daqui se estiver a estudar” rute barbedo

“Já tentaram prender-me dez ou 20 vezes. Há uns meses, vieram buscar-me porque um vizinho se queixou de que eu fazia barulho. Eu sou músico, preciso de cantar. Para mim, música não é barulho. Expliquei-lhes.” Stephan estudou Música na Libéria, o país onde cresceu entre os estilhaços de 11 anos de guerra civil e de onde fugiu, em 2006, com três irmãos. “No meu país, quem não obedece às regras do chefe tem de sair, senão, matam-te durante a noite”, explica. O chefe, neste caso, era o pai, a quem Stephan rejeitou seguir os passos no islão.

A primeira língua de terra que conheceu na Europa foi Lampedusa, há oito anos. Naquela noite, era uma espécie de “terra prometida”, avistada a bordo de um barco como um enxame de luzes. “Só queríamos segui-las; tudo o resto deixou de existir.” O resto era um grande bloco aquático, sem pontos cardeais nem certezas, para quem viajava no acaso. “Quando estamos no mar, não sabemos para onde vamos. Estamos simplesmente ali e há um homem que nos leva. Se o barco encontra o lugar certo, sobrevivemos, mas se falha a direcção e não há mais comida, percebemos que a vida chegou ao fim”, relata Stephan, de pernas cruzadas sobre o chão.

A história é como muitas outras — só no barco em que chegou este costa-marfinense iam mais 340 migrantes —, mas sempre diferente porque, em vez de contar números, conta pessoas. Continua na vida em Harsefeld, uma pacata vila montada numa planície verde, a 25 quilómetros de Hamburgo, onde partilha o apartamento de três quartos com cinco africanos de países diferentes. “O único problema é que não nos entendemos, porque eles falam árabe e eu inglês”, observa.

Quando Stephan chegou a Itália, os irmãos propuseram-lhe que seguisse viagem com eles, para os Estados Unidos. Até que se compreendesse por que recusou, a história avançou muitas páginas, para no fim se tornar simples. “Não fui capaz, não sei nadar. E a viagem no Mediterrâneo bastou-me.” Antes do mar temperado, haviam-lhe custado a terra da Libéria, da Costa do Marfim e do Burkina Faso e as areias do Mali, da Argélia e de Marrocos. Foram seis meses de travessia. “Fizemos [Stephan e três irmãos] algumas partes a pé, outras de carro. Havia carros da AMI e pessoas que fomos encontrando pelo caminho. Paguei 300 dólares para que me levassem do Mali para a Argélia. Dali até Marrocos, caminhámos durante a noite. Foi quando um de nós morreu no deserto. Não comíamos há sete dias e não tínhamos água para beber. Ele [um dos irmãos] não aguentou.”  

Stephan sobreviveu porque a cabeça fê-lo cortar o braço com uma lâmina, e então bebeu o próprio sangue. Fê-lo durante três dias. “Já não tinha outros líquidos no corpo. Não transpirava e não urinava há dias. Sabia que se bebesse podia morrer, mas, se não bebesse, morria de certeza.” Enquanto desfia a história, vai viajando pelas marcas que tem no corpo. A do braço está lá. A do rosto foi-lhe desenhada à nascença. Perguntamos se sentiu medo nesses seis meses em que se separava de África e, porque a pergunta lhe parece europeia, ri. “Sei que toda a gente morre. Se morremos novos, é porque se calhar era a altura. Voltar para um país em guerra é que não é opção. Lá, sim, morrer é certo.”

Em Marrocos, onde passou três semanas numa cave com os irmãos, a guerra foi outra. “Todas as noites a polícia aparecia. Chegava, batia-nos e ia-se embora.” Os dias passavam lentos, mortos, sem comida, na espera de que o vento e o mar acalmassem para que os barcos não se fizessem náufragos. No último areal africano, os marroquinos vêem nos negros sinais de perigo, bocas vindas para lhes comer a terra, mãos prontas a causar estragos. Ao fim de alguns dias, Stephan soube que “se não se apanhasse um barco, ali não haveria nada”.

Assim que o mar virou prata, cada um dos irmãos (não conseguiram ir juntos na mesma embarcação) pagou 1000 dólares como ingresso e 500 para o “agente”. Quando a Europa passou a ser terra debaixo dos pés, conduziram Stephan até Bolonha, o lugar “onde as pessoas são boas mas não há emprego”, descreve. Em Itália chamavam-lhe “problema político”. Nem no mercado negro havia trabalho, e também não era isso que lhe interessava — afinal de contas, Stephan quer ser professor de dança. Um dia, olhou para o visto de residência emitido pelas autoridades italianas e partiu rumo ao Norte da Alemanha. “Sempre pensei que, estando na União Europeia, o que era válido num país fosse válido noutro.” Mas a lei não funciona assim. Daí o traço vermelho sobre o novo documento de identificação e o baptismo de Duldung, o “tolerado”.

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Na estação central de comboios de Munique, a polícia interpela os recém-chegados MICHAELA REHLE/REUTERS

Apocalípticos e integrados

Tal como Stephan Blay, nos últimos anos, cerca de 350 imigrantes abandonaram o território italiano em direcção à segunda maior cidade da Alemanha e formaram, em 2013, o movimento Lampedusa in Hamburg, pela reivindicação de protecção internacional e dos direitos humanos. A organização não-governamental Pro Asyl estima que, actualmente, mais de 100 mil migrantes vivam na Alemanha sob o regime de Duldung, que oferece a possibilidade de permanecer no país por um período limitado de tempo (definido pelas autoridades, segundo cada caso) a quem ainda não tenha pedido asilo ou tenha visto o seu pedido negado. É, portanto, uma suspensão do processo de deportação, que obriga à reavaliação periódica do estatuto do estrangeiro junto dos gabinetes de imigração. Alguns acusam as autoridades italianas de lhes terem oferecido 500 euros para que abandonassem o país. Outros simplesmente alegam desconhecer o regulamento de Dublin III, que desautoriza um segundo pedido de asilo dentro da União Europeia. “O problema é que não nos vêem como seres humanos”, analisa Gafar, porta-voz do grupo e a viver na Alemanha desde 2000, altura em que “todos, sem excepção, dormiam na rua”.

O activista togolês levou dez anos a legalizar-se. Ainda assim, considera-se com sorte. “Sou dos poucos que se podem dizer integrados”, reconhece. Mas se a actual legislação já estivesse em vigor quando Gafar chegou à Europa, talvez os caminhos que tomou tivessem sido menos penosos.

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Abdul Gafar Tchedre, 46 anos,Togo: “O problema é que não nos vêem como seres humanos“ rute barbedo

Aprovada a 2 de Julho pelo Bundestag, a revisão da lei de residência (a Aufenthaltsgesetz) tenta resolver a ineficácia do regulamento de Dublin, cuja “ideia original era que não existissem, de todo, requerentes de asilo na Alemanha, já que eles ficariam no primeiro país da UE que os recebesse e, caso cá chegassem, seriam enviados de volta”, enquadra Maximilian Popp, editor da secção Alemanha na revista Der Spiegel, numa conversa telefónica com a Revista 2. No ano passado, recorda o jornalista, “apenas 10% das pessoas que pediram asilo foram mandadas para trás”. Primeiro, porque antes desse envio as autoridades alemãs devem comunicar com as do primeiro país receptor e aguardar uma resposta, “que muitas vezes não chega”, esclarece Maximilian. Segundo, porque, não raras vezes, os tribunais locais e regionais tomam decisões distintas quanto ao destino de cada refugiado. E, finalmente, porque “o país tem seis meses para poder ‘devolver’ o estrangeiro ao país ao qual ele pediu asilo”, período durante o qual é possível escapar às autoridades recorrendo, por exemplo, ao princípio de caridade das igrejas alemãs.

Somando todas as equações, a Alemanha acabou por tornar-se o maior receptor de refugiados da União Europeia — segundo o relatório do Gabinete Europeu de Apoio ao Asilo (divulgado a 8 de Julho), em 2014, o país recebeu 202.645 requerimentos de protecção internacional, cerca de um terço do total de pedidos dirigidos à Europa. Mas talvez a recente alteração da lei — que a torna “ambivalente”, na opinião de Maximilian Pichl, jurista da Pro Asyl — traga mudanças ao trajecto ascendente do número de refugiados no país. Sobre a parte que se refere ao direito de permanência, a legislação abre as portas aos estrangeiros que vivam em território alemão há pelo menos oito anos (seis, caso existam menores na família; ou quatro, para menores de 21 anos que tenham frequentado o sistema de ensino nacional); que pratiquem um nível básico da língua alemã; que possuam um documento de identidade (ou possam, de alguma forma, prová-la); e que sejam economicamente independentes.

O Governo anunciou a legislação como um passo em frente na integração de estrangeiros no sistema nacional, mas a principal queixa entre os requerentes de asilo político assenta precisamente no facto de não conseguirem independência económica, ou seja, emprego. Apesar de estarem autorizados a integrar o mercado de trabalho três meses após entrarem no país, o tempo investido em burocracias desde que se candidatam a uma oferta é muitas vezes suficiente para que ela se perca pelo caminho. Por outro lado, “a prioridade é dada aos alemães e imigrantes económicos”, argumenta o jornalista da revista Der Spiegel, que se questiona, por isso, sobre “quantas pessoas irão realmente beneficiar da nova lei”.

Um grupo que não será certamente abrangido pela actual legislação, de acordo com Maximilian Pichl, são os maiores de 17 anos (não acompanhados por adultos) sem contacto com o ensino alemão. “Eles nunca terão acesso à autorização de permanência, uma vez que ela apenas se destina aos jovens até 21 anos que tenham frequentado a escola e que vivam cá há pelo menos quatro anos”, pormenoriza.

Mas este não é o capítulo mais contestado da actual legislação. A crítica tem sido particularmente dura quanto aos critérios para a emissão dos términos de residência. Na prática, “a nova regulamentação significa que qualquer refugiado pode ser preso”, resume Pichl, uma vez que permite deter e expulsar (quase de imediato) estrangeiros que tentem esconder a sua identidade, que tenham pago a contrabandistas do Mediterrâneo para chegar à UE ou que tenham “abandonado um Estado-membro antes da conclusão do processo de análise do pedido de protecção internacional desenvolvido pelas autoridades”, como sustenta o diploma.

Para Pichl, esta é “uma forte regressão na política de asilo alemã”, para além de “violar o regulamento de Dublin III, segundo o qual um refugiado não pode ser preso simplesmente por estar a decorrer o seu processo de pedido de asilo”, acusa a Pro Asyl. Também Maximilian Popp, o jornalista que tem acompanhado os desenvolvimentos desde a Primavera de 2014, altura em que o projecto de lei começou a ser discutido, a mudança no sistema legislativo é “inacreditável” e só pode servir “para assustar quem planeia vir para a Alemanha”, porque, na verdade, “não há espaço suficiente nas prisões para tanta gente”. 

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Berlin, distrito de Koepenick: um residente passa em frente ao novo centro de acolhimento de imigrantes Fabrizio Bensch/RUTERS

Independência económica

Edriçe tem 29 anos começados no Gana. Até 2004, viveu na Líbia, onde a sua noção de independência económica passava pelo petróleo e chegava a casa em maços de notas. “Trabalhava para a Shell, ganhava muito bem, tinha uma família, uma casa, tudo.” Perguntamos-lhe onde está a família. Não sabe. Partiu sozinho para Itália com o número de telefone de casa no bolso mas sempre que tentava ouvir alguém do lado de lá da linha, o auscultador jazia mudo. A contragosto, entra na tenda de informação para requerentes de asilo político, junto à estação central de comboios de Hamburgo. Os plásticos fazem-no lembrar o centro de acolhimento de Bari, onde passou mais de um ano e meio com 700 refugiados.

A revolta de Edriçe é maior do que a vontade de se sentar. Quando aqui chegou, rejeitou o Duldung sugerido pelas autoridades. “É contra a lei dos direitos humanos e meio caminho para nos mandarem embora”, afirma. Ao lado, sobre caixotes transformados em sofá, os colegas encorajam-no a prosseguir. “Na Itália, deram-me documentos para poder viver e trabalhar, e todos nós pensámos que esses papéis eram válidos em toda a Europa. Só quando cheguei cá é que me explicaram que apenas valiam em Itália. Por causa disso, ainda não arranjei trabalho, como do lixo, vivo na rua.”

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Edriçe, 29 anos, Gana: “[Duldung] É contra a lei dos direitos humanos e meio caminho para nos mandarem embora” rute barbedo

Como se sobrevive, então, neste regime de “tolerância”? “Há pessoas que estão aqui há mais de 20 anos sem papéis. Vivem com a ajuda da Igreja e de organizações [de solidariedade social] ou entram no mercado negro. Outras não sobrevivem, morrem nas ruas, ou enlouquecem”, responde Gafar.

Mas além do que indica o imigrante do Togo, está também estabelecido pelo Governo que cada requerente de asilo tem direito a uma mensalidade de cerca de 350 euros e a um local para dormir, o que provoca contestação entre alguns alemães. “As pessoas acham que não queremos trabalhar porque recebemos um subsídio, mas eu gosto e preciso de trabalhar. Quero dar o meu contributo”, sustenta Jerry, de 30 anos, natural do Burundi. O problema, segundo Gafar, é que “aqui trabalha-se para que a Europa cresça, nunca para nós mesmos”.

A conversa acende os ânimos. “Nós não precisamos da Europa para nada. Só viemos para cá por causa da guerra, que é uma guerra dos ocidentais, não nossa!”, lança Edriçe, enquanto Jerry aguarda o momento para a sua deixa: “Eu vim porque pensava que a Europa era um lugar onde estaria finalmente seguro, mas o que sinto aqui é pior.” Mesmo se o olhar devolvido para trás mostra imagens de perseguição e de guerra, são muitos os viandantes de África e do Médio Oriente que, afinal, não querem ficar por terras frias. “Se perguntarem a dez pretos se eles querem ficar na Europa, vão responder que não. Aqui não há vida nem futuro para nós. Morremos”, teme Gafar.

Tem sido contra essa impotência que se batem os membros do grupo Lampedusa in Hamburg. Em 2013, os primeiros cartazes gritavam: “We didn’t survive NATO war in Libya to die in the streets of Europe [Não sobrevivemos à guerra na Líbia para morrer nas ruas da Europa].” Em 2015, continuam a chegar diariamente fugitivos à tenda de Gafar, à procura de soluções, de respostas. Sentam-se sobre os edredões coloridos para ouvir como é a vida na Europa, como são os dias no país que a lidera. “Assim que lhes explicamos, muitos pegam nas malas e voltam para trás”, realça o porta-voz do grupo.

Jerry aproxima-se para ampliar os testemunhos. Começa por falar da casa, chega ao supermercado. Dorme no mesmo quarto com quatro pessoas, num prédio de Wolfsburg onde vivem cerca de 150 imigrantes em situações semelhantes à sua. É também no quarto que cozinha. A conversa, agora apaziguada, parece retirar-lhe a expressão que carregava no rosto. “O final de cada dia é um alívio. É sinal de que o dia passou.” Diz que o olham de lado, sente-se discriminado “a toda a hora, no supermercado, no autocarro, no médico, na rua”, e essas são as horas que mais custam a passar.

Hamburgo não tem sido notada pelos meios de comunicação como uma cidade agreste no acolhimento de estrangeiros, mas no Leste alemão, demonstrações como as do grupo PEGIDA, contra a chamada “islamização da Europa”, são frequentes. No início deste ano, as ruas de Dresden foram semanalmente invadidas por manifestantes que se opunham à entrada de migrantes no país. Mas do acontecimento levantou-se quase em instantâneo o protesto de 35 mil pessoas contra a xenofobia e a favor de uma política mais inclusiva da parte de Berlim.

Gafar admite que também em Hamburgo o apoio da população segue um movimento crescente. “Esquecemos os media, porque sempre que lhes explicamos o que se passa, saem daqui e dizem outra coisa; são manipulados pelo Governo. A partir daí, passámos a contar a nossa situação às pessoas, às escolas, a organizações humanitárias. Nas manifestações, elas juntam-se a nós. É também por isso que conseguimos manter-nos aqui.”

No café do exílio

Se a integração passa pelo domínio da língua e do esquema social alemães, universos nos antípodas dos conhecidos pelos milhares de migrantes africanos que chegam ao continente europeu, neste processo em particular, há catalisadores. No bairro de St. Georg, o número 41 da Spaldingstraße abre-se para uma plataforma de apoio aos refugiados e migrantes: o Café Exil. Daqui a meia hora, começa a aula de Alemão. A professora, voluntária, bebe os últimos tragos de café e remata correcções numa carta a apresentar aos serviços de saúde. “Se precisas de ir ao médico, tens de lhes provar a tua área de residência”, explica em espanhol a um frequentador do espaço.

O Café Exil é um entre muitos pontos de encontro e de esclarecimento criados por activistas que oferecem consultoria e apoio em diferentes áreas, desde a jurídica à educacional. Funciona desde 1995, como resposta a um outro episódio marcante da legislação alemã sobre o asilo político: o de 26 de Maio de 1993, quando o Parlamento aprovou por grande maioria a reformulação do artigo 16 da Lei Fundamental, restringindo o direito ao asilo. A solução, recorda a Deutsche Welle, foi marcada por intensos debates e defendida pela União Democrata Cristã (CDU), então no Governo, que via na limitação do número de refugiados vindos da guerra na Jugoslávia a garantia da estabilidade social do país.

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Jaafari Adam (Jerry), 30 anos, Burundi: “Acham que não queremos trabalhar porque recebemos um subsídio, mas eu gosto e preciso de trabalhar. Quero dar o meu contributo” rute barbedo

Como atesta um dos voluntários do café, “embora as pessoas se esqueçam, a imigração em massa não é uma coisa dos últimos anos”. Nenhum deles quer nomes. “Referir o Café Exil basta. Aqui estamos todos ao mesmo nível”, consideram. A partir desta sala onde o chá e o café são à discrição e os biscoitos estão sobre as mesas, são criadas pontes com advogados e tradutores especializados, ajuda-se a preencher formulários e candidaturas, “entende-se o trabalho como um apoio político num sistema de racismo institucionalizado”, acusa a organização.

Maximilian Pichl não é tão extremista quando analisa o quadro global. Apesar da crítica persistente, o jurista da Pro Asyl reconhece que, “quanto à permissão de residência, as novas regras são progressivas e um passo na direcção certa” para o sistema alemão. 

Entretanto, Stephan Blay continuará a organizar na prateleira do quarto um plano de integração no país. Ao lado dos documentos e pesquisas, estarão as multas pagas ao Estado alemão, como os 120 euros por ter infringido há três meses o residenzpflicht, o dever de se manter no distrito onde está registado como imigrante, inerente à política de asilo alemã. “O que posso fazer para vencê-los é ir para a escola. Não me podem tirar daqui se estiver a estudar”, acredita, com um sopro de medo entre as mãos, talvez o mesmo que trarão os futuros sonhadores da Europa.

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