Para onde vai o Brasil no campo da gestão?

Afinal de contas, quem comanda a gestão do mundo comanda o campo da gestão.

Para onde vai o Brasil no campo da gestão? Em 1989, quando Francis Fukuyama proclamou o fim da história do mundo e decretou o entendimento de que o desfecho da batalha do capitalismo contra o comunismo significava o apogeu da modernidade liberal eurocêntrica, muitos entenderam que essa pergunta não deveria ser feita a académicos ou gestores do Brasil ou de outros países do resto do mundo.

Bastaria perguntar às instituições que governam o campo da gestão – por exemplo, as grandes firmas de consultoria, os renomados gurus, os mais bem pagos CEO do mundo, a Harvard Business School, ou outras escolas de negócios que lideram os rankings globais de gestão criados e comandados por instituições estado-unidenses. Afinal de contas, quem comanda a gestão do mundo comanda o campo da gestão.

Com a decretação do fim da história, os EUA assumiram a responsabilidade pela inserção do resto do mundo na nova e definitiva ordem mundial. As preocupações do resto do mundo com desenvolvimento, revoluções ou alternativas haviam supostamente chegado ao fim. Entretanto, como o resto do mundo representava riscos e incertezas, a “correta” gestão da inserção dos países que ainda não haviam chegado ao futuro se tornou uma prioridade para a superpotência. A gestão do resto do mundo exigia que a superpotência criasse e disseminasse modelos de gestão pelos países do resto do mundo que os levariam ao único futuro disponível. Com base no entendimento neoliberal de que não havia alternativa, caberia aos países do resto do mundo a responsabilidade de aplicar tais modelos de modo eficiente e rápido.

Esse processo de globalização do campo da gestão, do centro para a periferia e de cima para baixo, tornou-se uma das condições para que as benesses da modernidade eurocêntrica liderada pelos EUA atingissem a todos. A nova ordem mundial seria então governada por grandes corporações e instituições transnacionais e não mais por Governos ineficientes, corruptos ou autoritários. Grandes corporações passaram a demandar de instituições académicas e não-académicas os conhecimentos necessários para a gestão do mundo. Produção e disseminação de conhecimentos e instituições para disseminá-los em escala global. Juntamente com programas de privatização e desregulamentação de mercados, programas de MBA se multiplicaram nos países ex-comunistas e no Terceiro Mundo. Muitas universidades se transformaram em grandes corporações, e escolas de negócios se profissionalizaram mundo afora.

Como era de se esperar, a gestão do mundo por meio da inserção daqueles que supostamente estavam atrasados foi marcado por controvérsias e crises. Intervenções militares foram mobilizadas para superar eventuais “resistências” e movimentos contrários ao Consenso de Washington no resto do mundo. Como parte do processo de gestão da inserção, a literatura de gestão descreveu e analisou os avanços das economias emergentes (em especial os BRIC) e de países “periféricos”, como Irlanda ou Polónia, como evidências do êxito da nova ordem neoliberal. O desempenho de corporações do resto do mundo passou a ser descrito e analisado como evidência de que todos poderiam chegar ao futuro desde que os modelos fossem aplicados de forma eficiente e rápida.

Com a crise do neoliberalismo logo após a crise asiática em 1997-1998, movimentos sociais e académicos passaram a desafiar abertamente a tese de fim da história. Alternativas foram construídas e celebradas a partir da criação do Fórum Social Mundial em Porto Alegre, em 2001. Na Ásia surgiu o entendimento de que estávamos vivendo a globalização oriental, ao invés da globalização ocidental. O campo da gestão iniciou então um processo cosmopolita de transformações protagonizado por académicos, organizações, movimentos sociais e gestores do resto do mundo.

Entretanto, com a ascensão do unilateralismo dos EUA e decretação da guerra global ao terror após os eventos de 11/9, essa importante explosão de alternativas, ideias e conhecimentos foi subitamente contida. Com a militarização da globalização neoliberal, a “correta” gestão da inserção do resto do mundo informado pela tese do fim da história passou a mobilizar práticas racistas e colonialistas.

Enfim, para onde vai o Brasil no campo da gestão? A explosão de manifestações, movimentos, ideias, debates e conhecimentos que vem varrendo o mundo desde 2011 é uma evidência de que temos em mãos uma importante oportunidade para que académicos e gestores no Brasil e nossos pares no resto do mundo nos dediquemos à questão que foi oportuna e generosamente feita a mim pelo PÚBLICO.

Para onde vão os mundos e como o campo da gestão em diferentes países e regiões pode viabilizar esta ordem cosmopolita e mais “humana”?

Assim como outros países, o Brasil está caminhando para o entendimento de que o fim da Guerra Fria deveria ter desencadeado um projeto cosmopolita de gestão dos mundos e não ao fim da história. As histórias do resto do mundo estariam livres para retomar suas trajetórias após cinco séculos de represamento pela civilização eurocêntrica. Estamos co-produzindo um projeto alternativo de gestão da ordem – poderoso, mas quase invisível – baseado no imaginário de um campo da gestão que permite e fomenta a coexistência de diversos mundos e conhecimentos. Por sua vez, o projeto de inserção baseado na tese do fim da história vem tentando impedir essa trajetória com todas as forças e poderes que lhe restam. Parece que há ainda muito ressentimento por parte daqueles que assumiram o comando da gestão do mundo e do campo da gestão em relação a um “resto do mundo” em franca expansão. Este quadro é um dos principais responsáveis pela má gestão do mundo – ilustrada pelas crises de hiperacumulação do capitalismo neoliberal que têm gerado crescente desigualdade e mal-estar para uma população crescente de despossuídos, excluídos, worse-off, have-nots, etc. – e pela correspondente crise do campo da gestão.

Pergunto então a você, leitor: para onde deve ir o Brasil no campo da gestão?

Professor, coordenador de relações internacionais da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas

Sugerir correcção
Comentar