Nacionalismo basco mostra a sua força após proibição de manifestação

Iniciativa foi convocada em resposta à proibição de uma manifestação de apoio aos presos da ETA.

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O protesto deveria ter sido silencioso mas houve lugar para algumas palavras de ordem RAFA RIVAS/AFP

Dezenas de milhares de pessoas participaram este sábado numa marcha de protesto contra a decisão judicial que inviabilizou uma manifestação de apoio aos presos da ETA, em Bilbao. A marcha juntou os dirigentes nacionalistas conservadores do PNV, que detém o governo regional do País Basco, e a esquerda “abertzale”, com o Sortu, partido sucessor do Batasuna, à cabeça: no arranque, ouviram-se aplausos pela inédita unidade política, que já não acontecia desde 1999.

A marcha foi convocada em resposta à decisão judicial que proibiu a realização de uma marcha planeada pela organização Tantaz Tanta (Gota a gota) para reclamar o repatriamento dos presos da ETA para o País Basco, e também à posição do Governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, que na sequência da ordem do tribunal reafirmou a sua “total intransigência” com a ETA.

“Havia que dizer clarissimamente stop à Audiência Nacional”, frisou o porta-voz do PNV, Joseba Egibar, ao explicar a iniciativa conjunta. A manifestação “pelos direitos humanos, resolução e paz” foi subscrita por todos os movimentos do nacionalismo basco, que há mais de uma década vivem em profunda divergência: os moderados do PNV, e a esquerda “abertzale” do Sortu, o Aralar ou a coligação Bildu, bem como os sindicatos nacionalistas ELA e LAB. “É um acto excepcional, em resposta a uma actuação excepcional”, esclareceram.

As reacções dos partidos nacionais não demoraram, com o Partido Popular no País Basco a classificar a manifestação como um “equívoco e um erro enorme” e a adesão do PNV como uma “grave irresponsabilidade”. “O importante em Euskadi não são os presos da ETA mas sim a liberdade, o respeito e a tolerância”, considerou Arantza Quiroga, a presidente regional do PP, lamentando a “tutela e a influência” que a organização terrorista ainda mantém sobre a política do País Basco.

Pelo seu lado, os socialistas bascos exprimiram a sua “preocupação” com a participação do PNV numa manifestação convocada pelo Sortu: “Uma coisa é criticar as decisões do Governo de Espanha ou dos tribunais, e outra muito diferente é cair nos braços da antiga Batasuna”, notou o PSE-EE numa nota oficial. Censurando a incapacidade do Sortu em “assumir a própria responsabilidade pelo seu passado terrorista”, os socialistas lamentaram que os nacionalistas moderados tenham “saído em seu auxílio”. Criado em 2001, o partido independentista socialista é composto por muitos dos antigos militantes do Batasuna, o braço político da ETA ilegalizado em 2003.

A marcha inicialmente prevista para sábado, por iniciativa da Tantaz Tanta, tinha como repto o mesmo título “direitos humanos, resolução e paz”, seguido do apelo “os presos bascos de volta a Euskal Herria”. Um primeiro auto judicial de 17 páginas, subscrito pelo juiz Pablo Ruz em resposta a uma queixa da Procuradoria, indeferiu o pedido para a inviabilização do acto: na sua decisão, Ruz explicava que da convocatória não podia inferir-se que o objectivo da manifestação era o “enaltecimento do terrorismo”.

No entanto, o juiz titular Eloy Velasco, que reapreciou o caso, entendeu que a marcha era ilegal porque a Tantaz Tanta estaria a substituir-se na convocatória ao Herrira, um colectivo de defesa dos presos da ETA desmantelado em Setembro do ano passado por suspeitas de actividades terroristas e proibido pela justiça de qualquer actividade durante dois anos.

“Existindo uma resolução judicial que ordena a suspensão das actividades da Herrira, não pode consentir-se a celebração de uma manifestação planeada com muita antecedência por uma organização de carácter terrorista”, considerou Velasco, para quem a marcha de Bilbao se inseria numa campanha de “apoio, exaltação e financiamento a favor dos prisioneiros da ETA”.

"Uma nova era"
O argumento não convenceu os nacionalistas bascos. Rebatendo as críticas, Egibar assinalava que a região vive “uma nova era”, que foi aberta pela renúncia definitiva da ETA à violência, em Outubro de 2011 (em 2013, a organização comprometeu-se com a entrega do seu armamento, num processo supervisionado por um organismo internacional independente). A marcha, prosseguiu o porta-voz do PNV, pretende “consolidar” o caminho que tem vindo a ser seguido no País Basco, contra as “forças de bloqueio” em Madrid.

O protesto deveria ter sido silencioso, mas perante a multidão nas ruas – tratou-se de uma das “manifestações mais concorridas dos últimos anos no País Basco”, assinalava o El País –, houve quem não resistisse a gritar palavras de ordem pela independência do País Basco ou pela amnistia aos prisioneiros da ETA.

No último sábado de 2013, os membros da ETA que estão a cumprir pena em Espanha e França divulgaram um comunicado em que pediam desculpa pelos danos causados pelos seus atentados e reconheciam a legitimidade da política penitenciária espanhola. Essa posição, que foi assumida pela primeira vez pelos 520 presos etarras, abre a porta à negociação individual das condições de detenção – nomeadamente da transferência para uma prisão no País Basco.

Mas o Governo de Madrid garante que os terroristas, responsabilizados pela morte de 829 pessoas durante a sua campanha de 40 anos pela independência do País Basco, vão continuar onde estão, dispersos pelo país.

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